quarta-feira, 27 de abril de 2011



Celebridade casual

As editoras brasileiras estão cada vez mais ágeis em trazer os grandes best-sellers internacionais em prazo cada vez mais curto ao nosso leitor. Não faz muito, os livros mais célebres (e principalmente os mais vendidos) no Exterior levavam até anos para serem traduzidos para o português e lançados por aqui. De uns tempos para cá, isso começou a mudar. É mais um dos tantos frutos benéficos da tal da globalização, que tem muitos aspectos ruins, sem dúvida, mas tem, também, seu lado inegavelmente positivo.
E por que faço essa constatação? Faço-a em decorrência de vários lançamentos de livros lançados muito recentemente nos Estados Unidos e na Europa e que estão chegando, na “velocidade da luz” (exageros a parte) em nosso idioma, às nossas mãos. Um deles, é uma obra considerada entre as melhores de 2010 pela crítica especializada, no mercado editorial norte-americano, que a editora Companhia das Letras lança agora por aqui, aliás sem muito estardalhaço, mas que bem que mereceria divulgação mais ampla.
Refiro-me ao livro de estréia da jornalista científica norte-americana Rebecca Skloot, intitulado “A vida imortal de Henrietta Lacks”. E que estréia essa! Trata-se de um presente precioso para quem aprecia fatos verdadeiros, mas narrados com emoção e verdade, com estilo e emoção, embora abordando assunto de ciência e que respeitem sua inteligência. E o livro em questão respeita.
E quem, afinal, é essa Henrietta Lacks para merecer tamanha divulgação? É, vou adiantando, celebridade nos meios científicos. Porém... é célebre à sua revelia. E não se trata de nenhuma pesquisadora, longe disso. Ademais, com o livro de Rebecca, tende a ficar mais célebre ainda, agora também, entre os leigos.
Ela foi a doadora, “involuntária” é mister que se destaque, de células cancerosas, mantidas em cultura microbiológica pelo cientista George Otto Gey, para criar a primeira linhagem celular “imortal”! da história. E esse “imortal” não é nenhum exagero. Afinal, tais células, passados 60 anos depois de colhidas, permanecem vivíssimas, em frascos de soro bovino. E onde entra Henrieta Lacks nessa história? As células “imortais” em questão receberam o nome de “HeLa”. Ou seja, as duas primeiras letras do nome da doadora involuntária.
Quando Rebecca Skloot ouviu, numa aula na universidade, sobre essas células, ficou curiosíssima em saber a razão dessa denominação. E quando lhe explicaram, quis saber tudo da vida da mulher que se tornou celebridade científica à sua revelia, sem que soubesse ou sequer desconfiasse que isso viria a ocorrer. Saiu a campo para pesquisar a propósito e intuiu que isso daria não especificamente uma boa reportagem, sua intenção inicial, mas um excelente livro. E tinha toda a razão. Sua intuição funcionou à perfeição. Acertou na mosca. Os dados que colheu lhe renderam um meticuloso (e volumoso) livro de 450 páginas.
O sucesso foi imediato. Pudera! Além do fator humano, a obra tem uma característica ímpar. Embora tratando de um assunto científico complexo, não se trata de nenhuma sisuda tese, como poderia parecer à primeira vista ao leitor. E mesmo abordando dados biográficos de uma personagem real, não entra, especificamente, na classificação de biografia. Tem um pouco de tudo isso, mas apresenta a cadência e o ritmo de um romance, e dos bons. Isso, mesmo sem conter nada, absolutamente nada de ficção e de todos os dados apresentados serem rigorosamente verídicos.
Esses ingredientes propiciam uma leitura fluente, agradável e instigante, que nos prende totalmente a atenção da primeira à última página. Cabem, aqui, mais algumas informações sobre Henrietta Lacks. Foi uma ex-lavradora de tabaco do Sul dos Estados Unidos, negra e descendente de escravos.
Morreu de câncer no ovário aos 30 anos, em 1951 e deixou cinco filhos. Nunca soube que os médicos retiraram uma amostra de suas células cancerosas, enquanto estava internada na enfermaria para negros do Hospital John Hopkins, em Baltimore, no Estado de Maryland. Seu câncer tinha características peculiares em relação ao de outras pacientes: produzia metásteses anormalmente rápidas. Mais do que qualquer outro tipo de tumor maligno conhecido pelos médicos.
Após a morte de Henrietta, suas células continuaram sendo cultivadas e estudadas. O objetivo era o de determinar as causas da sua impressionante longevidade. As culturas foram distribuídas para uma grande quantidade de laboratórios, quer de universidades, quer de empresas particulares e não tardaram em mostrar sua utilidade. O Dr. Jonas Salk, por exemplo, utilizou-as para produzir a sua primeira vacina contra a poliomielite.
As coisas não pararam por aí. As células extraídas de Henrietta (e suas “descendentes”, no caso, das células) continuam vivas, vivíssimas, fartamente utilizadas nos melhores laboratórios mundo afora. Milhares de trabalhos científicos, portanto, foram realizados com base nelas e certamente produzirão outro tanto. Chegaram, mesmo, a ser enviadas para o espaço, para experiências sob gravidade zero.
Herietta, portanto, morreu, mas literalmente permanece viva. Não como ser humano, óbvio, mas uma parte dela sobreviveu e sobrevive e ajuda a salvar muitas vidas. Ironicamente, a parte que lhe sobreviveu foi exatamente a que lhe causou a morte.
O livro de Rebecca Skloot tem, portanto, todos os ingredientes para fazer, por aqui, o mesmo sucesso, ou até maior, do que vem fazendo nos Estados Unidos e na Europa. É uma narrativa humana, inteligente, instigante e emocionante, que está prestes a ser levada para as telas de cinema, onde certamente terá a mesma bem-sucedida t6rajetória. Vale a pena conferir.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Um fato assombroso e assustador. Difícil entender a lógica das células cancerosas que se multiplicam em tal velocidade, a ponto de destruir o hospedeiro, e no final se auto-exterminarem. Exceto no caso citado, em que o corpo morreu, e as células malignas ficaram para sempre(?). Estranhíssimo!

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