A grande coragem
* Por Pedro J. Bondaczuk
A vida é feita de ações. Claro, o desejável é que estas venham sempre acompanhadas da devida reflexão. O ideal é que não se tratem de atitudes intempestivas e sem objetivo definido, caóticas, instintivas e selvagens, mas que sejam planejadas, refletidas e executadas com método e com competência, visando alguma meta que implique sempre em evolução e progresso.
Todavia, se formos confrontados entre o agir e o refletir, a opção tem que ser, sempre, a primeira: a ação. Compete-nos agir, mesmo que estejamos sujeitos a erros. Temos que ser ousados. Precisamos deixar para trás o porto seguro, que não raro é uma desculpa para nada fazer, e explorar todas as possibilidades que a vida oferece. Devemos sonhar, tentar, ousar e descobrir.
Quem não agir dessa forma, certamente se arrependerá um dia. Mas, então... poderá ser tarde, muito tarde para recuperar o tempo perdido. Eurípedes já dizia, há mais de dois milênios, que a grande coragem é a prudência. Ser prudente, todavia, não significa ser omisso e muito menos ser covarde. É conhecer o terreno em que se pisa e o pisar com plena segurança e confiança.
E quem é esse tal de Eurípedes para ficar ditando normas de conduta? É, não, foi. Viveu em outros tempos, em que estava tudo por fazer. Foi uma figura bastante estranha, muito reverenciada na atualidade pela obra que nos legou. Poeta, autor teatral – num período da História em que o teatro era o grande veículo de comunicação entre os cidadãos – e, para muitos, filósofo – embora não haja certeza, ou pelo menos, nenhuma comprovação, de que, de fato, pertenceu a alguma escola filosófica – vivia, com seus livros e suas idéias, avançadas demais para a época, em uma caverna da Ilha de Salamina, entre os anos de 485 e 406 a.C.
Deixemos, todavia, Eurípedes de lado, que entrou nestas considerações apenas pela sua colocação, que citei a título de ilustração. Dizem os estudiosos do comportamento que o herói é fruto das circunstâncias. Todos temos, dentro de nós, o potencial para o autêntico heroísmo e a verdadeira bravura, embora sequer saibamos, e não raro, até, duvidemos disso. Em contrapartida, brota em nosso íntimo, igualmente, a propensão para a covardia, que é até mais fácil, pois não nos exige ação, mas somente apatia e omissão. Ocorre que as oportunidades para atos heróicos são bastante raras. Para a covardia, contudo, são praticamente ilimitadas e diárias.
A ousadia para fazer o que achamos adequado vale, também, para sentimentos. Muitas pessoas são infelizes e solitárias porque temem se expor. Secretamente, acalentam projetos de relacionamento. Mas vão adiando, adiando e adiando sua execução, na medida do seu medo. Nesse aspecto, não há fórmulas milagrosas e nem respostas definitivas. Para saber se a convivência com uma companheira vai dar certo, ou não, não existe outro caminho senão tentar. E, como tudo na vida, essa tentativa envolve riscos de fracasso. Mas tem, também, possibilidades de êxito.
O medo constitui-se numa faca de dois gumes. É um mecanismo instintivo de que a natureza nos dotou para fugirmos do perigo. Desde que lógico e racional, nos protege e evita que venhamos a nos ferir ou, até mesmo, a sermos mortos. Quem nada teme é insensato e irracional.
Mas existe um medo que é nocivo e sumamente danoso. É o de tentar fazer aquilo para o que estamos habilitados, mas que, por falta de confiança, ou de convicção, ou de fé, ou de vontade, relutamos em tentar e acabamos por desistir das grandes realizações. Este tipo de medo é sempre pernicioso e tem que ser combatido, com todas as nossas forças.
Sidarta Gauthama, o Buda, perguntou, certa feita: "Qual a raiz do mal?". E respondeu: "A cobiça, o ódio e a ilusão". São, portanto, fatores endógenos, humanos e por isso passiveis de mudança. Sua existência não faz da vida algo indigno, indesejável, que se deva evitar. É cômodo demais, diante da violência, do desamor e do egoísmo que nos rodeiam, nos entregarmos às críticas estéreis e lamentações inúteis, ou ao desencanto como pretexto para a inação.
Se não tentarmos fazer nada para mudar situações adversas, estas não só permanecerão tensas, violentas e infernais, mas certamente se agravarão. É como uma doença, posto que do espírito. Se nada fizermos para frear a cobiça, para erradicar o ódio e para rebater a ilusão com a realidade, estaremos contribuindo para que se extingam não vinte, cem, mil ou um milhão de vidas. Nossa omissão vai ajudar a extinguir "toda e qualquer vida" deste Planeta. A nossa no meio, claro.
As coisas que mais nos doem, portanto, não são as que vivemos – por maiores que sejam as dores e as mágoas e decepções que venhamos a sofrer. São as experiências que deixamos de ter. São as oportunidades perdidas. São as omissões e desperdícios de talentos e emoções.
Nutrimos pueris ilusões e medos absurdos, que o tempo se encarrega de provar serem inúteis e desnecessários, e nos “esquecemos” de viver. Não fujamos dos sentimentos, por medo de nos ferir. Não economizemos amor. Não nos esquivemos dos relacionamos. Vivamos a vida em sua plenitude e grandeza. Esta, sim, é a verdadeira e grande coragem (e, possivelmente, a única digna de se ter)!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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