Psicologia aplicada ao jornalismo
* Por Urariano Mota
Imagino que vocês se lembram. Há quase dois anos, uma jovem me pediu conselho pela internet, porque não sabia o que fazer da sua vida, se devia fazer ou não vestibular para jornalismo.
Naquela ocasião, eu lhe disse, pelo telefone da web: “A minha sugestão para você é: faça jornalismo, se não puder fazer outra coisa. Para quem está fora, para quem é jovem, essa profissão tem muito glamour. Mas isso não resiste a 30 dias no batente. Saiba que você vai ganhar pouco dinheiro, mas, em compensação, nos grandes jornais você não terá nem mesmo opinião. A sua opinião será a do dono. Se você estiver disposta a um compromisso rigoroso com a verdade, melhor não querer ganhar dinheiro com jornalismo”.
Apesar da grande e inexpressiva experiência deste conselheiro, a jovem fez vestibular para jornalismo, passou, e agora está em pleno gozo de vida acadêmica. Somente posso admitir que a minha opinião agiu sobre ela como um sinalizador, como uma referência invertida. Ela me pediu: para que lado o senhor aponta? Eu: para o norte. E ela: salve, simpatia, que eu vou para o sul. E foi, e fui. Pois bem, como a minha sinalização se mostrou muito boa, eis que agora minha jovem amiga, virtual e virtuosa, volta:
“Olá, preciso da sua ajuda! Tenho que fazer um trabalho para a aula de Psicologia Social! Por que a psicologia é importante na profissão do jornalismo? Espero que possa me ajudar!”
A tão calorosa solicitação, repleta de pontos de ênfase exclamativa, senti que não poderia me furtar. E por isso respondi, sério e grave como um oráculo:
“Todas as ciências são importantes para o jornalista. Todas, porque o repórter as transforma em instrumentos, para levar uma realidade ao leitor. O bom psicólogo (de formação acadêmica) raro é bom jornalista. Mas não há um só bom repórter que não seja também bom psicólogo (sem formação acadêmica). Razão? O repórter deve gostar de gente, deve amar gente, e por isso tem que compreendê-las. Mas sem as armadilhas perversas, traiçoeiras, como é comum na grande mídia”.
Este conselheiro poderia, ou deveria, ter continuado com os exemplos de Euclides da Cunha, para um nível mais épico, ou de Antonio Maria, para uma aproximação mais suave, coloquial. Ou mesmo de José Hamilton, repórter do Globo Rural, tão bom na entrevista quanto no informar. Ou então, como a maioria dos jovens pensa que a civilização apenas fala inglês, lembrar Capote, Hemingway, John Reed. Mas tais citações, claro, deveriam ser acompanhadas de um resumo biográfico, bibliográfico e de um vocabulário simples, imediato, para que o conselheiro não fosse confundido com um chato, papo-cabeça. Quem fala com os muitos jovens sabe que para os assuntos mais importantes eles têm uma atitude superior: não entendem e nem querem entender essas coisas da velharia.
Então me lembrei de que em uma serenata, ao pedir uma canção de Custódio Mesquita, um jovem violonista me respondeu, entre brincalhão e certeiro: “não conheço, não é do meu tempo”. De nada adiantou minha indignação, ao lhe devolver que Napoleão Bonaparte também não era do meu tempo, mas mesmo assim eu sabia quem era. O violonista ficou a sorrir, e me pediu o tom, o tom de Custódio, que eu não sabia, nada além. Por isso mais uma vez eu devo ter sido um sinalizador de referência maluca para a futura jornalista. Ela queria apenas algo prático, pronto, para ser apresentado em um trabalho de nome A Psicologia aplicada à Comunicação. E lá vim eu com ponderações e chatices. Saco!
Falhei mais uma vez. No que, pensando bem, a futura jornalista deve estar certa. Repórter no Brasil não precisa amar pessoas, gostar de gente, esforçar-se para acompanhar os olhos do entrevistado. Psicologia pra quê? Basta seguir, com fidelidade canina, o poderoso e santo olhar do chefe.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
* Por Urariano Mota
Imagino que vocês se lembram. Há quase dois anos, uma jovem me pediu conselho pela internet, porque não sabia o que fazer da sua vida, se devia fazer ou não vestibular para jornalismo.
Naquela ocasião, eu lhe disse, pelo telefone da web: “A minha sugestão para você é: faça jornalismo, se não puder fazer outra coisa. Para quem está fora, para quem é jovem, essa profissão tem muito glamour. Mas isso não resiste a 30 dias no batente. Saiba que você vai ganhar pouco dinheiro, mas, em compensação, nos grandes jornais você não terá nem mesmo opinião. A sua opinião será a do dono. Se você estiver disposta a um compromisso rigoroso com a verdade, melhor não querer ganhar dinheiro com jornalismo”.
Apesar da grande e inexpressiva experiência deste conselheiro, a jovem fez vestibular para jornalismo, passou, e agora está em pleno gozo de vida acadêmica. Somente posso admitir que a minha opinião agiu sobre ela como um sinalizador, como uma referência invertida. Ela me pediu: para que lado o senhor aponta? Eu: para o norte. E ela: salve, simpatia, que eu vou para o sul. E foi, e fui. Pois bem, como a minha sinalização se mostrou muito boa, eis que agora minha jovem amiga, virtual e virtuosa, volta:
“Olá, preciso da sua ajuda! Tenho que fazer um trabalho para a aula de Psicologia Social! Por que a psicologia é importante na profissão do jornalismo? Espero que possa me ajudar!”
A tão calorosa solicitação, repleta de pontos de ênfase exclamativa, senti que não poderia me furtar. E por isso respondi, sério e grave como um oráculo:
“Todas as ciências são importantes para o jornalista. Todas, porque o repórter as transforma em instrumentos, para levar uma realidade ao leitor. O bom psicólogo (de formação acadêmica) raro é bom jornalista. Mas não há um só bom repórter que não seja também bom psicólogo (sem formação acadêmica). Razão? O repórter deve gostar de gente, deve amar gente, e por isso tem que compreendê-las. Mas sem as armadilhas perversas, traiçoeiras, como é comum na grande mídia”.
Este conselheiro poderia, ou deveria, ter continuado com os exemplos de Euclides da Cunha, para um nível mais épico, ou de Antonio Maria, para uma aproximação mais suave, coloquial. Ou mesmo de José Hamilton, repórter do Globo Rural, tão bom na entrevista quanto no informar. Ou então, como a maioria dos jovens pensa que a civilização apenas fala inglês, lembrar Capote, Hemingway, John Reed. Mas tais citações, claro, deveriam ser acompanhadas de um resumo biográfico, bibliográfico e de um vocabulário simples, imediato, para que o conselheiro não fosse confundido com um chato, papo-cabeça. Quem fala com os muitos jovens sabe que para os assuntos mais importantes eles têm uma atitude superior: não entendem e nem querem entender essas coisas da velharia.
Então me lembrei de que em uma serenata, ao pedir uma canção de Custódio Mesquita, um jovem violonista me respondeu, entre brincalhão e certeiro: “não conheço, não é do meu tempo”. De nada adiantou minha indignação, ao lhe devolver que Napoleão Bonaparte também não era do meu tempo, mas mesmo assim eu sabia quem era. O violonista ficou a sorrir, e me pediu o tom, o tom de Custódio, que eu não sabia, nada além. Por isso mais uma vez eu devo ter sido um sinalizador de referência maluca para a futura jornalista. Ela queria apenas algo prático, pronto, para ser apresentado em um trabalho de nome A Psicologia aplicada à Comunicação. E lá vim eu com ponderações e chatices. Saco!
Falhei mais uma vez. No que, pensando bem, a futura jornalista deve estar certa. Repórter no Brasil não precisa amar pessoas, gostar de gente, esforçar-se para acompanhar os olhos do entrevistado. Psicologia pra quê? Basta seguir, com fidelidade canina, o poderoso e santo olhar do chefe.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Urariano, ter este espaço aqui, no qual a gente pode falar sem rédeas viseira e freios é uma dádiva. Pelo que sabemos, a rigidez da vida militar tem muito a ver com a aparente posição oposta dos jornalistas fieis aos seus donos.
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