A revisora
* Por Eduardo Oliveira Freire
... Quando a vi pela primeira vez, senti o meu corpo se abrir. O meu coração se dilacerava. Ela era linda e inteligente. Eu queria que ela me dissesse tantas coisas. Como tem imaginação!!! Ou você está errando menos no português, parabéns, o seu texto está muito bom!!!!!!!!! Contudo, ela permanece silenciosa, marca com canetas vermelhas o que errei. Sinto como se tivesse me estraçalhando com um punhal.
-Passo por e-mail os textos corrigidos.– diz secamente.
Como desejo rasgar seu vestido levemente transparente... Pergunto se gostou do meu último conto. Ela dá um sorriso e diz simplesmente:
–sim.
Noite densa, pego o dicionário e a gramática. Tento não repetir as palavras e entender as regras gramaticais. Nunca tive paciência em moldar o que escrevo, boto no papel e pronto. Sempre levei broncas por isso. Mas, ela não diz nada, só que pelo seu rosto e olhares, percebo que ela não gosta do meu estilo literário. Lê porque é o seu trabalho.
Perguntei, uma vez, de que autores ela gostava. Disse alguns nomes esquisitos que nunca ouvi falar. Lembro-me de uma ocasião que fui a uma reunião de escritores novatos. E fiquei boiando na conversa. Todos comentavam de escritores novos, que estavam tendo boas críticas. Fiquei com cara de bobo. Alguns perceberam e ficaram cochichando sobre mim. Bem, não quero falar sobre isso.
Acho que ela gosta de filmes europeus, com certeza! Deve ir com alguns amigos pra museus, vernissages (nem sei como se escreve essa porra!), conversar sobre literatura num bar tradicional da Zona Sul ou dar uma reunião em sua casa, com vinhos e queijos e ficar debatendo sobre a miséria do mundo, olhando livros de fotos artísticas que só tem pessoas miseráveis.
O namorado dela é escritor e tradutor, resumindo, um intelectual. Ela parece ser quente na cama. Devem transar sempre de madrugada, depois dele ter acabado aquele romance, que tinha feito nos tempos vagos e que está uma obra de arte, com certeza. O namorado dela é meio conhecido, escreve crônicas para uma revista. Uma vizinha minha me confessou que se masturba pensando nele e que as caspas espessas da sua cabeça ficam cravadas nas unhas dela. "Todo intelectual tem caspa", disse-me uma vez.
Não concordei, eu tenho caspa e não sou intelectual. As pessoas adoram estereótipos. Cada um com o seu cada um, caralho!!! Não vou fugir mais, vou me declarar para ela. Mas se o namorado metido dela estiver lá, que se foda!!!!!!!!!! Meto porrada no filho da puta!!!!
Mas ela é budista e não come carne vermelha. Vai sentir nojo de mim. Levo duas horas para chegar ao seu apartamento aconchegante. Eu moro distante de tudo. Demoro quarenta a duas horas para chegar nos lugares. Na janela do apartamento dá pra ver a praia, será que ela transa com namorado de janela aberta? Não posso ficar pensando nessas coisas. A REVISORA: é o título do romance que quero escrever, mas não posso dar para ela corrigir. Vai descobrir a paixão e os desejos baixos que sinto por ela. FODA-SE!!!!!!!!!!! Vou mostrar. Primeiro tenho que revisar, antes. Não!!! Entrego assim mesmo...
Alguns meses depois:
G. saiu para caminhar. S. deixou um recado na secretária eletrônica:
– G. você sumiu? Você deixou um texto e nunca mais voltou. Aliás, gostei muito dele. Confesso, que não gostava muito do que escrevia, mas eu não sei o por quê, esse romance me tocou bastante. Lógico que precisa de muitos ajustes. Você ainda coloca muitos pronomes possessivos. Precisa cortar alguns excessos para que o texto seja mais fluído. Necessita também escolher mais as palavras, não as repetir tanto. O B. está na França, fazendo um mestrado em Sorbonne. Se você puder, poderíamos conversar um pouco. Que tal às dez da noite na minha casa. A gente pode ver algum filme ou conversar sobre sua produção literária. Comprei um empadão de soja divino, que sempre encomendo de um restaurante aqui perto de casa. Me liga, beijos.
* Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e aspirante a escritor. Blog: http://cronicas-ideias.blogspot.com/
* Por Eduardo Oliveira Freire
... Quando a vi pela primeira vez, senti o meu corpo se abrir. O meu coração se dilacerava. Ela era linda e inteligente. Eu queria que ela me dissesse tantas coisas. Como tem imaginação!!! Ou você está errando menos no português, parabéns, o seu texto está muito bom!!!!!!!!! Contudo, ela permanece silenciosa, marca com canetas vermelhas o que errei. Sinto como se tivesse me estraçalhando com um punhal.
-Passo por e-mail os textos corrigidos.– diz secamente.
Como desejo rasgar seu vestido levemente transparente... Pergunto se gostou do meu último conto. Ela dá um sorriso e diz simplesmente:
–sim.
Noite densa, pego o dicionário e a gramática. Tento não repetir as palavras e entender as regras gramaticais. Nunca tive paciência em moldar o que escrevo, boto no papel e pronto. Sempre levei broncas por isso. Mas, ela não diz nada, só que pelo seu rosto e olhares, percebo que ela não gosta do meu estilo literário. Lê porque é o seu trabalho.
Perguntei, uma vez, de que autores ela gostava. Disse alguns nomes esquisitos que nunca ouvi falar. Lembro-me de uma ocasião que fui a uma reunião de escritores novatos. E fiquei boiando na conversa. Todos comentavam de escritores novos, que estavam tendo boas críticas. Fiquei com cara de bobo. Alguns perceberam e ficaram cochichando sobre mim. Bem, não quero falar sobre isso.
Acho que ela gosta de filmes europeus, com certeza! Deve ir com alguns amigos pra museus, vernissages (nem sei como se escreve essa porra!), conversar sobre literatura num bar tradicional da Zona Sul ou dar uma reunião em sua casa, com vinhos e queijos e ficar debatendo sobre a miséria do mundo, olhando livros de fotos artísticas que só tem pessoas miseráveis.
O namorado dela é escritor e tradutor, resumindo, um intelectual. Ela parece ser quente na cama. Devem transar sempre de madrugada, depois dele ter acabado aquele romance, que tinha feito nos tempos vagos e que está uma obra de arte, com certeza. O namorado dela é meio conhecido, escreve crônicas para uma revista. Uma vizinha minha me confessou que se masturba pensando nele e que as caspas espessas da sua cabeça ficam cravadas nas unhas dela. "Todo intelectual tem caspa", disse-me uma vez.
Não concordei, eu tenho caspa e não sou intelectual. As pessoas adoram estereótipos. Cada um com o seu cada um, caralho!!! Não vou fugir mais, vou me declarar para ela. Mas se o namorado metido dela estiver lá, que se foda!!!!!!!!!! Meto porrada no filho da puta!!!!
Mas ela é budista e não come carne vermelha. Vai sentir nojo de mim. Levo duas horas para chegar ao seu apartamento aconchegante. Eu moro distante de tudo. Demoro quarenta a duas horas para chegar nos lugares. Na janela do apartamento dá pra ver a praia, será que ela transa com namorado de janela aberta? Não posso ficar pensando nessas coisas. A REVISORA: é o título do romance que quero escrever, mas não posso dar para ela corrigir. Vai descobrir a paixão e os desejos baixos que sinto por ela. FODA-SE!!!!!!!!!!! Vou mostrar. Primeiro tenho que revisar, antes. Não!!! Entrego assim mesmo...
Alguns meses depois:
G. saiu para caminhar. S. deixou um recado na secretária eletrônica:
– G. você sumiu? Você deixou um texto e nunca mais voltou. Aliás, gostei muito dele. Confesso, que não gostava muito do que escrevia, mas eu não sei o por quê, esse romance me tocou bastante. Lógico que precisa de muitos ajustes. Você ainda coloca muitos pronomes possessivos. Precisa cortar alguns excessos para que o texto seja mais fluído. Necessita também escolher mais as palavras, não as repetir tanto. O B. está na França, fazendo um mestrado em Sorbonne. Se você puder, poderíamos conversar um pouco. Que tal às dez da noite na minha casa. A gente pode ver algum filme ou conversar sobre sua produção literária. Comprei um empadão de soja divino, que sempre encomendo de um restaurante aqui perto de casa. Me liga, beijos.
* Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e aspirante a escritor. Blog: http://cronicas-ideias.blogspot.com/
Reticências caprichadas! Acho que vai rolar.
ResponderExcluirSe a gente não mergulha, nada acontece.
Adorei Eduardo.
Abração