segunda-feira, 20 de julho de 2009


Nunca mais feliz

* Por Ed Santos

Regina foi abordada na saída da boate, às sete da manhã. As olheiras acusavam que a noite foi intensa, e o prazer também. Trabalhar era sua vida, mas o sonho ainda ia se tornar realidade. Adorava viver seu personagem, e o prazer, este era da representação.

Ele perguntou onde ficava a Caio Prado, e ela disse::
- Logo ali. Primeira esquerda, no farol.

Ela desapareceu subindo no ônibus, sem perceber que ele a fitara até o fim de seus passos curtos, e só então dobrou à esquerda. No primeiro drink estava o desejo de revê-la e sugar-lhe até revelar-se. Ela aparece..
-Acho que já vi você hoje né?
-É. Eu também. Dormiu bem?
-Dormi. A tarde toda. E você? Achou a Caio Prado?
-Achei. Não sou daqui. Moro no interior, e vim procurar uma coisa, mas acabei achando outra.
-Preciso ir. Meu show é agora.

Regina estava acostumada com os olhares masculinos, mas nunca ninguém botara tanto reparo nela como aquele cara. Algo que nunca tinha vivido. E chamou sua atenção. Seria coisa do interior? Subiu no palco para sua apresentação, e sabia que seria difícil tirar os olhos dele. A cada movimento, cada passo de sua dança sensual, ela insinuava que havia percebido a intenção real do tal cara da roça.

-Betinho! Manda um cheeseburger, que to virada de fome!
Enquanto matava quem tava lhe matando, Regina percebe que ele não tirava o olho. Sentiu-se numa sessão paparazzi. Depois do lanche, saiu e foi ao camarim. Quando voltou, ele a esperava no corredor, e agarrou-a sem uma palavra sequer. Um beijo que só os dois souberam a intensidade.
-Betinho! Um Martini aqui pra moça!
E voltando-se a ela:
– Você parecia um anjo com aquele vestido azul.
-Minha saia era marrom! E a blusa era bege! – disse ela, desanimada.

Ele não havia prestado tanta atenção assim: A de hoje de manhã era azul. Com três botões atrás. E naquele saltinho, ficou perfeita. Se bem que, por si só, não há a necessidade de adornos. O olhar de Regina entregou. Ela adorou o comentário.

Desde então, toda noite de show da Regina, ele ia até a boate. Já havia se mudado definitivamente para a capital, e íntimo de Betinho, pedia pra entregar bilhetes com poemas e mandava decorar com flores o camarim de Regina. Ela não conseguia esconder a satisfação de ser cortejada como se tivesse passando de mini-saia em frente a um campo de futebol de várzea, ou num canteiro de obras.

Naquela noite, ele abandonou o Martini e foi de uísque caubói:
- Quero você hoje! Você não sai daqui a não ser que seja comigo! Seu corpo é meu!

Apesar do frio, Regina corou a face e não conseguiu dizer não. Aquela noite aconteceu seu último show. Estava de partida pra uma outra turnê. Engraçado como o amor de esposa é diferente de amor de amante. Ele agora só amava Regina como esposa. Agora era cuidar da casa, dos filhos... A vida lá fora acabou e o sonho se perdeu. A Caio Prado ficou longe

De noite, ao esperá-lo em casa, Regina, sentada na frente do espelho, lembra das noites, dos preparativos para o show, maquiagem. Lembra dos olhares masculinos, como a tirar-lhe fotografias. Mais pra raio X de tão profundas. Das cantadas mil e dos bilhetes que Betinho entregava – Vinícius, ah Vinícius de Moraes, quanta saudade! Saudades das flores no camarim. Do Martini que a conduziu ao amor verdadeiro. Que pena.

A estrela passou a brilhar num único e diferente céu, e seu resplendor foi abafado. Romance com Martini, flores no camarim e Caio Prado nunca mais.

* Jornalista – blog http://ocioduroderoer.blogspot.com

2 comentários:

  1. Quem sempre foi de muitos acha impossível ser de um só. Mais comum essa visão entre os homens, mas algumas vezes pode ser uma prerrogativa feminina. Ser admirada, sentir a invasão diária pode tornar-se um vício impossível de ser vencido. O que é felicidade no conceito de alguns, pode ser tédio na visão de outros. O texto mostra isso muito bem.

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  2. Talvez os povos que casam sem paixão estejam certos, e o amor surja depois de algum tempo. Em nosso mundo ocidental quase sempre a uniões terminam em tedio.

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