segunda-feira, 27 de julho de 2009




La vie en rose

* Por Daniel Santos

Tudo feliz no mundo das imagens que consagram a aparência. Tudo rosa – cor sem ofensas. Processos se adensam até a tensão, mas o risco de se alterar o tom, de carregar nas tintas, faz tudo refluir à harmonia imposta.

A lei manda ser feliz na época mais aflita, quando, por impossível seguir avante, os impulsos se concentram no espaço que deveria já ser passado. Vive, assim, a recorrência pífia de um gerúndio sem ereções.

Hoje, o presente é para sempre, e a fermentação intestina, a emissão de gases sem válvulas de escape, concentra o risco de uma explosão para dentro, de uma implosão que reduzirá a História a vácuo, menos que nada.

Agora, nem passado nem futuro, nem começo nem fim! O que há se ocupa da manutenção da permanência: renova procedimentos, altera o design, mas não sai de si, que só de si sabe falar. Sozinha, resmunga.

No mais, é essa felicidade à força, velhice proibida, morte adiada! E morrer seria uma saída, um novo curso ao tempo que empacou gago. Por ora, é isso: tudo rosa, muito, muito aquém do revolucionário vermelho.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


5 comentários:

  1. Adeus às ilusões. Niilismo e conformidade - não vingando o vermelho, sejamos os merecedores desse rosa opaco e clínico, sem gradientes. Literatura de primeira grandeza, mestre.

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  2. Sem ereções e com gases, pensei tratar-se de um final de vida, e sendo assim, nem feliz, nem infeliz. O rosa, por ser uma cor secundária, é morna, sem a paixão de um vermelho, por exemplo. Não sei se o entendi bem, mas, escritas resumidas dão margem a inúmeras interpretações, e sei que você, Daniel, diverte-se com isso: muitas visões possíveis.

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  3. A felicidade está na " ordem do dia ". O infeliz assusta.
    Tá tudo cor de rosa !

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  4. Grato, Marcelo, Mara e Celamar pela atenção a mais esta crônica. E vc acertou, Mara: eu me divirto ao criar textos assim sem referências muito objetivas, pq isso deixa-o aberto à imaginação do leitor, que o enriquece com sua particular interpretação.

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  5. Gostaria que o vermelho imperasse, Daniel. Afinal, é o vermelho a cor do sangue, da vida, da paixão. O rosa é uma cor tão sem graça, não é? Mas parece, amigo, que teremos de conviver com ela ainda muito tempo...
    Beijo
    Risomar

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