Para quem escrever?
Parabéns, amigo escritor, você já deu passos decisivos para a concretização do seu projeto de escrever o primeiro livro da sua carreira. Definiu o gênero: romance. Optou por uma história urbana, que se passa na São Paulo do século XXI. Traçou um roteiro detalhado do trabalho, fazendo um resumo geral da história e resumindo, também, cada capítulo, para assegurar a continuidade e a coerência da narrativa.
Foi mais longe. Caminhou outros passos mais. Tirou, por exemplo, seis meses de licença não-remunerada da empresa que trabalha com a anuência da esposa. Elaborou meticulosa programação de trabalho. Decidiu escrever duas horas por dia, entre as 7 e 9 horas da manhã e, até aqui, vem seguindo rigorosamente esse programa. Já escreveu cinco capítulos, que serão revisados no devido tempo, e deu-os para a mulher ler. E aí...
A esposa achou que o texto está pomposo demais, mais parecendo um longo discurso do que a narrativa de uma história. Surgiu, portanto, à sua frente, uma nova questão, que você terá que responder rápido, antes de dar seqüência ao seu romance: para quem escrever?
Mais uma vez, você se irrita com o questionamento. “Você quer brincar comigo? Estou escrevendo para todo o mundo ler!”, é sua resposta, um tanto azeda, achando que a pergunta é fora de propósito. Não é! Tanto que sua mulher não entendeu por completo o que você quis dizer nos capítulos que ela leu. Seu romance é voltado para o público infanto-juvenil? Não! Destina-se a atrair a atenção das (raras) moçoilas ingênuas e sonhadoras que esperam por seu príncipe encantado e querem ler uma historinha piegas, tipo água com açúcar? Também não!
Você tem a pretensão de escrever um novo “Ulysses”, a exemplo de James Joyce, que seja, como essa obra tão falada e pouco lida, acessível a pouquíssimos eruditos, muitos dos quais não entendem patavina do que ele escreveu, embora botem banca de entendidos? Claro que não! Então, qual é o seu público-alvo?
“Todo o mundo”, você respondeu, se me recordo bem. Se é assim, você tem pela frente o maior desafio que todo o bom escritor tem e que nem todos conseguem superar. Ou seja, o de escrever simples, mas sem ser simplório; o de ser claro, sem ser óbvio; o de ser objetivo, sem ser dogmático.
Parece fácil escrever assim, mas, creia, não é. Trata-se de um enorme desafio este de produzir textos que sejam inteligíveis, inteligentes e acessíveis tanto ao professor universitário, ao físico nuclear e ao mais erudito e chato crítico literário, quanto ao gari, ao pedreiro ou ao balconista (desde que alfabetizados e apreciadores de livros, claro).
Seja sóbrio, objetivo e direto. Livre-se da tentação de fazer poesia ao escrever prosa. Ademais, todos esses floreios que você fez, nos capítulos que já estão prontos, a pretexto de produzir um texto “literário” e denso, você mesmo irá cortar, quando da revisão, até para reduzir a extensão do seu romance. Você cortará tanto ao ponto de reduzir as 600 páginas ou mais da redação inicial para, se tanto, 150 ou pouco mais.
Prometo, doravante, não dar mais palpites para não atrapalhar a sua concentração. Talvez faça uma ou outra observação adicional quando você chegar à fase da revisão. Talvez... Não é certeza. Afinal, você tem tanta coisa para pensar, mas conta com, somente, escassos seis meses pela frente. Será que o prazo é suficiente para o dramático “parto” do seu romance? Mas não se afobe. Não pense nisso. Concentre-se que você conseguirá produzir um bom livro que, mesmo que não se torne o sonhado best-seller que você tanto quer, quiçá não encalhe nas prateleiras das livrarias. Se conseguir isso, já terá feito uma enorme façanha.
Boa leitura.
O Editor.
Parabéns, amigo escritor, você já deu passos decisivos para a concretização do seu projeto de escrever o primeiro livro da sua carreira. Definiu o gênero: romance. Optou por uma história urbana, que se passa na São Paulo do século XXI. Traçou um roteiro detalhado do trabalho, fazendo um resumo geral da história e resumindo, também, cada capítulo, para assegurar a continuidade e a coerência da narrativa.
Foi mais longe. Caminhou outros passos mais. Tirou, por exemplo, seis meses de licença não-remunerada da empresa que trabalha com a anuência da esposa. Elaborou meticulosa programação de trabalho. Decidiu escrever duas horas por dia, entre as 7 e 9 horas da manhã e, até aqui, vem seguindo rigorosamente esse programa. Já escreveu cinco capítulos, que serão revisados no devido tempo, e deu-os para a mulher ler. E aí...
A esposa achou que o texto está pomposo demais, mais parecendo um longo discurso do que a narrativa de uma história. Surgiu, portanto, à sua frente, uma nova questão, que você terá que responder rápido, antes de dar seqüência ao seu romance: para quem escrever?
Mais uma vez, você se irrita com o questionamento. “Você quer brincar comigo? Estou escrevendo para todo o mundo ler!”, é sua resposta, um tanto azeda, achando que a pergunta é fora de propósito. Não é! Tanto que sua mulher não entendeu por completo o que você quis dizer nos capítulos que ela leu. Seu romance é voltado para o público infanto-juvenil? Não! Destina-se a atrair a atenção das (raras) moçoilas ingênuas e sonhadoras que esperam por seu príncipe encantado e querem ler uma historinha piegas, tipo água com açúcar? Também não!
Você tem a pretensão de escrever um novo “Ulysses”, a exemplo de James Joyce, que seja, como essa obra tão falada e pouco lida, acessível a pouquíssimos eruditos, muitos dos quais não entendem patavina do que ele escreveu, embora botem banca de entendidos? Claro que não! Então, qual é o seu público-alvo?
“Todo o mundo”, você respondeu, se me recordo bem. Se é assim, você tem pela frente o maior desafio que todo o bom escritor tem e que nem todos conseguem superar. Ou seja, o de escrever simples, mas sem ser simplório; o de ser claro, sem ser óbvio; o de ser objetivo, sem ser dogmático.
Parece fácil escrever assim, mas, creia, não é. Trata-se de um enorme desafio este de produzir textos que sejam inteligíveis, inteligentes e acessíveis tanto ao professor universitário, ao físico nuclear e ao mais erudito e chato crítico literário, quanto ao gari, ao pedreiro ou ao balconista (desde que alfabetizados e apreciadores de livros, claro).
Seja sóbrio, objetivo e direto. Livre-se da tentação de fazer poesia ao escrever prosa. Ademais, todos esses floreios que você fez, nos capítulos que já estão prontos, a pretexto de produzir um texto “literário” e denso, você mesmo irá cortar, quando da revisão, até para reduzir a extensão do seu romance. Você cortará tanto ao ponto de reduzir as 600 páginas ou mais da redação inicial para, se tanto, 150 ou pouco mais.
Prometo, doravante, não dar mais palpites para não atrapalhar a sua concentração. Talvez faça uma ou outra observação adicional quando você chegar à fase da revisão. Talvez... Não é certeza. Afinal, você tem tanta coisa para pensar, mas conta com, somente, escassos seis meses pela frente. Será que o prazo é suficiente para o dramático “parto” do seu romance? Mas não se afobe. Não pense nisso. Concentre-se que você conseguirá produzir um bom livro que, mesmo que não se torne o sonhado best-seller que você tanto quer, quiçá não encalhe nas prateleiras das livrarias. Se conseguir isso, já terá feito uma enorme façanha.
Boa leitura.
O Editor.
Uma gravidez, sendo da gente, dura quase um ano, de tão demorada que é. Parir um livro é muito semelhante, só que cada fase, ao contrário da gravidez, que só dói no final, o livro vai nos machucando todos os dias, especialmente quando se trata de reminiscências. Gostei muito do adjetivo "pomposo" para qualificar um texto pretensamente literário. Esse estilo é mais comum do que se pensa.
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