quarta-feira, 29 de julho de 2009


Vida própria

Interessante como alguns personagens que criamos, ao contarmos determinada história – não importa se em romance, conto, novela ou peça de teatro – ganham vida própria. É como se sempre tivessem existido, em carne e osso, e nós nos limitássemos a narrar suas peripécias, às quais buscamos dar o máximo de verossimilhança.
Alguns personagens são criados para terem papéis secundários, de meros coadjuvantes, quando não de simples figurantes. Todavia, em certo ponto da narrativa, crescem, subitamente, se agigantam, tomam conta da nossa mente e parecem nos conduzir, em vez de serem “conduzidos”. Tornam-se os principais heróis, ou vilões, das nossas narrativas, quase que à nossa revelia.
São inúmeros os escritores com os quais conversei que confessaram que isso lhes acontece amiúde. Ademais, os planejamentos que fazemos, por exemplo, de um romance, não implicam em eventual engessamento da criatividade. Devem servir, somente, de linhas balizadoras e não de caminhos obrigatórios, de roteiros inflexíveis a seguir, que não possamos mudar, de acordo com as necessidades do enredo. Acho isso fascinante no processo de criação.
Há personagens que se tornam tão marcantes, que chegam a caracterizar, até, seus autores. Quando se fala de Capitu, por exemplo, não há um só leitor culto e minimamente conhecedor de Literatura Brasileira que não a associe, de imediato, àquele que a criou, com as tintas da sua imaginação e do seu genial talento: Machado de Assis.
Alguns ganham tamanha ascendência sobre seus criadores, que não se esgotam em um único romance, conto ou novela. Aparecem em livros e mais livros. Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, foi um desses casos. Pode ser citada uma imensa relação de tantos outros personagens com o mesmo destino, mas creio que isso seja desnecessário, pois o leitor, certamente, se lembrará de vários e vários que se enquadrem nesse caso.
Érico Veríssimo, na série de romances intitulada, genericamente, de “O tempo e o vento”, não se limitou a criar um único personagem desse tipo. Elaborou vários, incorporando as narrativas dos “descendentes” do seu herói original, frutos da união dos Terra com os Cambará.
Há quem chegue a achar que essa história seja verdadeira, tamanha sua verossimilhança e a perícia da sua criação. Na verdade, Érico pretendeu contar (e fé-lo magistralmente) a história de um longo período do seu Estado natal, o Rio Grande do Sul. Valeu-se da ficção para retratar uma realidade. E se consagrou.
Você, escritor amigo, quando se vir às voltas com algum desses “atrevidos”, nascidos da sua imaginação, que queira ocupar, na marra, o centro do palco, sem se contentar com o papel que você pretendeu lhe atribuir, e que ameace ofuscar, até, o seu brilho (e não raro, ofusca mesmo) não resista. Deixe que seu ousado personagem o conduza, pois o resultado, provavelmente, será alguma obra-prima da literatura do seu tempo.

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Não consigo criar ficção. Até posso misturar personagens, dar uma ajudazinha para torná-lo mais interessante, mas minha criatividade não ultrapassa isso daí. Admiro quem consegue fazê-lo. A capacidade de gerar gente de consistência real me intriga.

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