segunda-feira, 27 de julho de 2009




Dia D

* Por Celamar Maione

Levantei da cama 9 da manhã. Abri a janela e deixei o sol entrar no quarto. Segunda-feira. Primeiro dia de férias. Estava disposto. Um dia inteiro só pra mim. Preciso mesmo descansar,.ocupar a cabeça com as coisas belas da vida. Não agüento mais botecos fedorentos. Tiros. Sirene de polícia. Delegacias. Algemas. Acabar com a bandidagem é tarefa ingrata. Estressa. Destrói a família . Aumenta a pressão. Causa labirintite. Por falar em labirintite, deixa eu tomar meu remédio.

Hoje nada me impede de ser feliz. Nem as ligações insistentes da mãe dos meus filhos. Aquela jararaca. Três anos de namoro. Casei achando que encontrara a mulher da minha vida. Durante o namoro era boazinha, carinhosa e compreensiva. Concordava com tudo o que eu dizia. Não reclamava dos meus plantões na delegacia. E adorava quando saíamos e eu estava armado. Casamos. Durou oito anos. No primeiro ano de casado ela já mostrava que eu me metera numa grande roubada. O docinho se transformou numa mulher ciumenta, autoritária e chata. Implicava com os meus plantões e quando eu era chamado para algum atendimento de emergência, ela fazia a maior cena de ciúme. Só faltava me amarrar no pé da mesa. Ainda assim, tivemos dois filhos. Quando o menor completou um ano, saí de casa. Em meio a muitas ameaças, abandonei a vidinha de casado: medíocre e sem emoção.

Já tinha outra engatilhada. Uma ex-namorada que reencontrei no velório de um amigo. Saí de casa e fui morar com ela. Durou pouco. Seis meses. Ela não suportou os escândalos da mãe dos meus filhos e nem meus plantões. Decidi dar um tempo e passei a sair sem compromisso. Toda semana uma mulher nova. Adoro mulher. São boas por pouco tempo. Depois de alguns meses começam a dar defeito. E eu passei a trocar morenas, por ruivas, por mulatas, loiras. Eu não queria me aborrecer. Já tenho uma profissão desgastante, uma ex-mulher no meu pé, não dá para arrumar namorada chata. Meu negócio é relaxar nas folgas. No momento estou sozinho.

Terminei com Rose tem uma semana. Mas acho que sou muito gostoso. Ela não sai da minha cola. Dez torpedos no celular, só no domingo. Chato quando uma mulher não entende que terminou. Elas se humilham, correm atrás, fazem escândalo. Pelo visto Rose é o tipo pegajosa. Sabe do que mais? Não quero nem saber. Vou curtir minhas férias. Vou passar uma semana na casa dos meus pais no interior de Minas e depois vou pegar muita praia e muita mulher. Beber. Dançar e recuperar meu tempo perdido com apurrinhação. O que a gente leva da vida? Momentos. Apenas prazer e momentos felizes. Chega de Rose. Já falei que não quero mais. Se ela não me entende, que se dane. Não sou babá de mulher carente.

Entediado, abro a geladeira: “Nada pra comer. Nem um pãozinho.Vou ter que ir na padaria“. Preciso de um pão doce. Adoça a boca. Antes, bermuda. E claro, mesmo de férias, não largo a minha pistola, nem para tomar banho. Desci o elevador com a minha vizinha gostosona. Vai trabalhar. Beleza estar de férias! Coloquei o pé pra fora do prédio. A poluição me fez mal . Fiquei tonto de repente. É a maldita labirintite. Frescura. Agora é só atravessar a rua e comprar o pão. Depois volto pra casa e leio meu jornal de ponta a ponta.

Entro na padaria e bato o olho numa loira linda, tomando café. Ela me encara. Tem os olhos azuis mais tristes que já vi. Escolho um pão doce, sem desviar o olhar da loira. Nunca a vi na padaria. Será que mora no meu prédio? Estou de cabeça baixa separando as moedas para pagar meu pão. Sinto um bafo quente no meu cangote. Um homem fedido me empurra gritando com o caixa :
- Perdeu meu irmão ! Perdeu ! A grana.Anda. Se não te furo todo !

Não acredito! Assalto? Férias? Que merda tava acontecendo? Minha visão embaçou. Peguei minha pistola. Atirei. Senti as costas ardendo. Levei um tiro. Caí. Porra! Que sensação de merda. Tudo rodando. A loira se aproxima gritando :
- Sou médica ! Chamem uma ambulância.

Segurou forte minha mão :
- Agüenta firme. Não se mexe.

Foram as últimas palavras que ouvi. Não senti mais meu corpo. Passei a flutuar. Que delícia ir para o céu refletido naqueles olhos azuis.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.


5 comentários:

  1. Visceral, Celamar. Ótimo relato póstumo (do personagem, bem entendido!)

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  2. Achei os fatos, o roteiro, e a linguagem muito peculiares, envolventes e autênticos. Em nenhum momento deu para duvidar que era um verdadeiro militar de folga que contava a sua vida. Já estava simpatizando com a pessoa, bastante verossímel, e aconteceu isso. Mas, como narra a história, morrer não morreu. Foi só passar uns dias "baixado" no hospital. Parabéns Celamar!
    OBS: Não seria "aporrinhar"?

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  3. Sim, é " aporrinhar"
    Obrigada pela sua leitura atenta, Mara.
    Beijos

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  4. Celamar polifônica! Agora, vc deu de falar do além-túmulo, criatura! Benzadeus! Nenhum problema com a morte. Pelo contrário! Ainda mais que os olhos azuis de algum anjo conduziram o personagempara a outra dimensão. Parabéns.

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