quinta-feira, 23 de julho de 2009


Habitação

* Por Abílio Pacheco

Há um silêncio seco percorrendo as paredes da casa:
Ratos roem roupas sujas esquecidas nos sofás,
fazem seus ninhos entre os nossos tecidos
e mijam nas loucas adormecidas sobre a pia;
Baratas revoam sobre a mesa da sala
são insetos burocráticos, bibliófilos, alfarrábicos
que se fartam nos papéis, cartas, revistas e jornais
que há dias estão reunidos na mesa de jantar;
Grilos entoam acordes de árias desafinados
e muriçocas lhes riem finos gargalhos;
Formigas carregam as migalhas da última ceia
da ceia de ontem, da ceia de sempre;
Urna única mariposa tenta a morte em vão na luz da sala;
E aranhas ressecadas nos telhados podres
permanecem estáticas à teia urdida

Enquanto os gatos, os cães,
os homens estão perdidos pelo mundo.

* Poeta e diplomata de carreira, autor dos livros “As peças ligeiras”, “Jardim de inverno” e “A volta”.

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