terça-feira, 28 de julho de 2009




O Solar

* Por Risomar Fasanaro

Chovia muito, e tive a impressão de que não conseguiríamos chegar até o local, tão grande era minha ansiedade. Visitar aquele lugar foi a razão de, depois de muita indecisão, eu ter finalmente resolvido fazer aquela viagem indo contra todos os obstáculos: o frio intenso que faz, nesta época, no sul e nos países que visitaria, e a gripe suína. Tudo ia contra.

Quando eu dizia aos amigos para onde iria, a exclamação era sempre a mesma: “você está louca? Viajar para um lugar tão frio? Você não tem medo da gripe suína? Lá estão os principais focos...”

Sim, eu sabia de tudo isso. O estado do Rio Grande do Sul, a Argentina e o Paraguai estão entre os locais mais atingidos pela gripe, mas quando vi que havia uma passagem por aquele solar no roteiro da viagem, não resisti. Cancelei minha ida ao Recife e fui à região das Missões e das Cataratas.

Quando li “O Tempo e o Vento” de Érico Veríssimo senti muita vontade de conhecer aquela região, e desta vez não deixaria passar a oportunidade.

Muito intuitiva, sabia que não pegaria gripe nenhuma. Ainda mais feliz como tenho andado, acredito que nenhum mal vai me atingir.

Mas não vou escrever hoje sobre as Missões. Prefiro começar pelo meio. Falando dele. Começo pelo dia de chuva torrencial que enfrentei para conhecer o lugar onde ele nascera. E mal acreditei quando desci do ônibus e entrei no solar. A emoção foi tamanha que não deu para esconder. Percebendo-a, o diretor do museu pediu licença para me abraçar, enquanto me dizia: “eu sei o que é esta emoção, pois também já a senti.” Sim, no local construíram um museu onde há alguma coisa sobre a pessoa que busco. Algumas fotos e textos que falam de sua breve, mas marcante passagem por nosso planeta.

Ansiosa, pergunto: ele viveu aqui? Onde era o seu quarto? Mas Diego, o guia me diz que não. A casa foi construída após a sua morte . Mas se quisermos conhecer, ainda existem as ruínas da casa onde nasceu e passou parte da infância, que fica mais embaixo, perto do rio.

A maioria do Grupo não manifesta o desejo de embrenhar-se pela mata com aquela chuva, a se molhar e se arriscar a ficar gripada. Olho pra Diego e lhe peço: se ninguém quiser ir, eu vou. Você me leva? Ele diz que sim.

Vendo meu entusiasmo, alguns se animam e o seguem. Eu me atrapalho toda pra colocar a capa de chuva e acabo sendo a última da fila. Vamos por um estreito e escorregadio caminho por entre as árvores. Vou quase correndo para não me perder do grupo, e com isso escorrego e caio na lama, mas ninguém vê. Levanto e continuo pela trilha.

Chegamos. Da casa restam apenas os alicerces. Diego nos diz que ela era de madeira, por isso não resistiu ao tempo. E é com profunda emoção que leio o outdoor fincado entre as ruínas do que foi um dia a casa onde viveu o menino Che. O grande amor platônico de minha juventude.

O pequeno grupo se mantém em silêncio, olhando os alicerces da casa, parte de uma parede e a floresta que a cerca.

Muitos pássaros cantam e Diego nos mostra o rio Paraná, lá embaixo e que era a paisagem vista da janela dos Guevara.

Afasto-me um pouco do Grupo para sentir melhor a energia daquele lugar. Fico imaginando o Che menino, brincando no meio daquelas árvores todas, cercado de pássaros, quatis, e tantos outros bichos. Mas rememoro com mais intensidade a figura daquele rapaz moreno, belíssimo, em cujo rosto se destacavam grandes olhos negros entre cílios e sobrancelhas espessas. Impossível esquecer aquele olhar que povoou o sonho de tantas jovens nos anos sessenta.

Minhas botas e meias estão encharcadas, estou com toda roupa ensopada mas só depois de sair dali é que me dou conta disso.

Pergunto a Diego, o guia, sobre o lugar onde ele foi encontrado e assassinado, e ele me diz que hoje é um local sagrado onde as pessoas vão em peregrinação levar flores e fazer pedidos àquele jovem santo.

Caminho de volta relembrando aquela figura que tinha por bandeira não o simples limite das fronteiras, mas sim o amor ao próximo, e que foi em nome desse amor que dedicou a vida: a defesa dos povos oprimidos, independente da cor, da classe social, da nacionalidade.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

3 comentários:

  1. Queria ter um ídolo assim no qual eu acreditasse piamente, que me identificasse, e ainda por cima o considerasse santo. Embora veja em Che Guevara muitos predicados, como idealismo,coragem e beleza, não consigo vê-lo assim tão perfeito quanto você. Mas a energia desprendida no local de nascimento, deverá permanecer para sempre. Sentir calor e vibração em locais especiais não é impossível.

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  2. Viva Che para sempre! Era ele, de um lado, e Luther King, de outro. Como eu gostava dessa gente, como foram ricos os anos 60/70! Estávamos vivos, pq lutávamos. Hoje, tamanha a pasmaceira, que parece vivermos em estado letal. Parabéns, Ris, pelo relato emocionado.

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  3. Obrigada, Daniel e Mara. Realmente Daniel, os anos 60 e 70 foram de muito entusiasmo, de muita garra da juventude. Acho até que hoje esses novos ritmos, que para nós tem qualidade duvidosa, justificam o interesse da juventude. De que forma ela canalizaria toda a energia toda a vida que se tem nesse período da vida?
    Mara, concordo com você, em parte, hoje está difícil encontrar um líder com tantas qualidades como o Che, mas antes mesmo de o guia me dizer que ele é reverenciado como um santo, eu já pedia sua proteção em situações difíceis. Afinal: a que santo uma pessoa de esquerda deve recorrer senão a um que também foi?
    Beijos nos dois

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