Banalidade do bem
* Por Daniel Santos
A abundância cumpre papel caritativo, antes a cargo da fé que consolava perdas. Nega-se, hoje, a finitude com cópias reproduzidas num processo descartável até saírem de voga, sem mais carências a lamentar.
Ou não foi o que vimos durante a transmissão do maior espetáculo da Terra, ou seja, do velório do megastar Michael Jackson, organizado não por uma empresa funerária, mas de...marketing? Resultado: sucesso total!
Afinal, tamanha a dor da ausência inegociável que o espetáculo tinha mesmo de superar o objeto da cerimônia: o cadáver no esquife. E mais suas reproduções na tevê, nos telões, nas revistas, nos sites vários.
Para onde quer que se olhasse, havia sempre mais um Michael e mais outro e outro mais, sempre dançando a salvo dos mortos-vivos de “Thriller” que, na realidade-real, na realidade ao vivo, levaram-no, enfim.
Mas a cópia desmentia a finitude e, se nada havia terminado, instalou-se a festa. Num cenário à altura do homenageado, o show-bizz norte-americano deu o melhor de si, incluídos decotes de corar querubins.
Leilões, sorteios, rifas...O capital da crise moveu-se promissor, a ponto de um ingresso para o velório chegar a 20 mil dólares! – pouco, na certa, para adquirir toda a tralha que a grife MJ produzirá doravante.
Porque tem sido assim no país do “faz-de-conta”, onde Hollywood e Disneylândia imperam como ícones da ilusão rosicler, do bem a qualquer custo, na marra: nada termina, tudo se transforma. E vende como quê!
Por isso, no dia seguinte ao velório, o ponto alto do espetáculo: o corpo pranteado desaparecera! Para onde teriam levado Michael? – especulações valorizavam o produto que, ainda insepulto, já faturava.
É o princípio da droga, da compulsão, da recorrência que faz do consumidor um dependente. Ou seja, se parar de comprar, chora, porque terá de encarar as asperezas de um cotidiano que Prozac e Viagra douram.
O pagamento do dízimo garantia, antes, a bênção das almas, mas o mundo prático que execra o espírito busca alívio no shopping. Nada como umas comprinhas. Ficamos leves com quem anda na Lua, em Moonwalk.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
* Por Daniel Santos
A abundância cumpre papel caritativo, antes a cargo da fé que consolava perdas. Nega-se, hoje, a finitude com cópias reproduzidas num processo descartável até saírem de voga, sem mais carências a lamentar.
Ou não foi o que vimos durante a transmissão do maior espetáculo da Terra, ou seja, do velório do megastar Michael Jackson, organizado não por uma empresa funerária, mas de...marketing? Resultado: sucesso total!
Afinal, tamanha a dor da ausência inegociável que o espetáculo tinha mesmo de superar o objeto da cerimônia: o cadáver no esquife. E mais suas reproduções na tevê, nos telões, nas revistas, nos sites vários.
Para onde quer que se olhasse, havia sempre mais um Michael e mais outro e outro mais, sempre dançando a salvo dos mortos-vivos de “Thriller” que, na realidade-real, na realidade ao vivo, levaram-no, enfim.
Mas a cópia desmentia a finitude e, se nada havia terminado, instalou-se a festa. Num cenário à altura do homenageado, o show-bizz norte-americano deu o melhor de si, incluídos decotes de corar querubins.
Leilões, sorteios, rifas...O capital da crise moveu-se promissor, a ponto de um ingresso para o velório chegar a 20 mil dólares! – pouco, na certa, para adquirir toda a tralha que a grife MJ produzirá doravante.
Porque tem sido assim no país do “faz-de-conta”, onde Hollywood e Disneylândia imperam como ícones da ilusão rosicler, do bem a qualquer custo, na marra: nada termina, tudo se transforma. E vende como quê!
Por isso, no dia seguinte ao velório, o ponto alto do espetáculo: o corpo pranteado desaparecera! Para onde teriam levado Michael? – especulações valorizavam o produto que, ainda insepulto, já faturava.
É o princípio da droga, da compulsão, da recorrência que faz do consumidor um dependente. Ou seja, se parar de comprar, chora, porque terá de encarar as asperezas de um cotidiano que Prozac e Viagra douram.
O pagamento do dízimo garantia, antes, a bênção das almas, mas o mundo prático que execra o espírito busca alívio no shopping. Nada como umas comprinhas. Ficamos leves com quem anda na Lua, em Moonwalk.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
Já pensou o sacrilégio? Eu não vi nada desse show. Acho que nesse nosso planeta pouca gente conseguiu essa façanha. Vi apenas a foto do discurso, disseram-me, ensaiado e teatral da filha de MJ.
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