quinta-feira, 30 de julho de 2009




Minha mãe, ele e eu

* Por Cacá Mendes

Você não conhece o Amarildo. Não, eu também já não o conheço tanto, e o conheci muito, principalmente no tempo em que minha mãe neste mundo ainda se colocava, em matéria, para os olhos meus. O danado que sempre esteve carteiro de ofício e, naqueles tempos dos anos oitenta que eu sei, ia, pessoalmente, entregar correspondências às pessoas... Preferencialmente, em mãos. Hoje, que eu sei, não sai mais às ruas para entregas, pois a cidade cresceu um pouco mais, a agência dos correios também, e, provavelmente, ele apenas comanda os trabalhos.

Sempre muito simpático, um jovem por esses tempos de vida, naqueles anos que eu já morava por São Paulo, e eu somente chegava à minha mãe por mãos dele. Exceto nos finais de ano, quando então eu conseguia ir mesmo, em pessoa, de presente inteiro. Amarildo, provável que sim, mais novo do que eu seja, com minha metade de século, foi durante mais de uma década, seguramente, a ponte, entre mim e minha família. Das minhas idas a Monte Belo, enquanto ela viva, não me lembro da vez que Dona Neném não disse o nome do rapaz... E isso era tão forte, tão forte, que ela sempre me puxava a orelha quase, pra que eu fosse visitá-lo.

Entre os dois havia um acordo tácito, somente eles sabiam de mim, dos meus passos, mais ninguém. Nem seu Manoel, meu pai, sabia tanto... A minha mãe se quisesse falava, mas ele, por dever de ofício não podia se dar ao luxo de se justificar no ramo da fofoca, que nunca foi o de seu. Carteiro é entregador de notícia e mesmo que saiba dela em miúdos e graúdos, nunca saberá, querendo por ele, das verdades contidas numa carta. E se souber à força, fingirá até a morte, sob tortura se for, que não sabe, não sabe, não sabe, não sabe.

No dia da morte de minha mãe, no velório, ele estava lá, estava. Foi, marcou sua presença, bateu o cartão, o ponto. A mim, sutilmente, me pareceu que dizia algo no assim, como, bem isto, a ela lá estendida, candidamente, no seu último leito:
- Olha, Dona Neném, ele veio, nem vou lhe entregar a carta... não será preciso ler em voz alta, a senhora já ouviu... não? ... Ele está aí, pode olhar. Esses anos todos, eu sei... a senhora sempre dependeu um pouco da mim, mas hoje não, hoje ele está aqui, em carne, e não em notícia; a notícia, a notícia, a notícia... bem... a notícia, hoje, é a senhora, não?

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

2 comentários:

  1. Antigamente,quando havia cartas, havia carteiros. Era emocionante esperá-los, correr com a carta, tão desejada nas mãos, e ir lê-la lá nos fundos do quarto. Agora, com e-mails, perde-se a espera, e ganha-se a instantaneidade. Um Amarildo já não existe mais, apenas na lembrança dos bons e dos maus momentos.

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  2. Pois, Mara, ficaremos todos nessa imensa saudade deles... Precisamos descobrir outras emoçoes nos issos dos doravantes tempos.
    E obrigado por suas palavras neste aqui de espaço!

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