Um
ciclo vicioso de estereótipos
*
Por Emanuelle Najjar
Sabe,
há algumas coisas pelas quais nunca nutri lá grande empatia: sites
de jornalismo feminino, por exemplo. Não se surpreenda por isso. Sou
uma mulher, mas os assuntos mais comuns dessa temática nunca
representaram algo fundamental na minha existência, porém nos
últimos tempos tenho prestado atenção nisso. Por questões de
trabalho, preciso estar um pouco por dentro dos assuntos que afirmam
povoar a mente feminina, mas isso não serviu para abrandar meu “não
envolvimento”.
A razão? O fato de ver sempre os mesmos assuntos em todos os sites, com as mesmas abordagens e muitas vezes com aquele quê de futilidade. Antes que me apedrejem devo esclarecer algumas coisas: não há nada de mal em ler o horóscopo, saber das tendências da moda, dos mil e um procedimentos para alisar ou domar as madeixas, da última dieta daquela famosa que emagreceu X quilos ou o último corte de cabelo das celebridades. Não há nada contra as matérias de decoração, culinária, organização, prendas domésticas, família, casamento ou literatura autoajuda. São interessantes? Sim. São úteis? Com certeza. O problema não são os assuntos, mas sim, ver portais e sites dirigidos ao público crendo que as mulheres só se interessam por isso e nada mais.
Não,
não me julgue como ranzinza. Tenho contato com esse tipo de conteúdo
há muito mais tempo do que se possa julgar como má vontade, desde
tempos onde o papel era o meio mais comum e onde certos deslizes eram
perdoáveis – afinal, no caso das revistas, a segmentação
justificava algo nesse sentido. Porém, passada mais de uma década,
o conteúdo é o mesmo embora legitimado por uma imensa tecnologia.
Ainda me surpreende ter de deparar com a limitação dos
conglomerados de mídia e seus diferentes tipos de publicação
julgando o seu público como fútil e sem grande profundidade, ao
oferecerem inúmeras opções de conteúdo e preservando o mesmo
estereótipo.
Mix de
beleza, moda, carreira e filhos
Neste
meio tempo de procura, acabou surgindo o que se pretende ser um
portal feminino, ou quase isso. Algo que ainda está em versão beta,
oferece uma aparência bastante simples, mas já uma boa amostra do
que está por vir: o canal “Meus
Cinco Minutos”.
De acordo com nota do site Comunique-se, a intenção é oferecer
visualização rápida de conteúdos de interesse feminino de
revistas como Vogue, Criativa, Época, Quem, Crescer e
outros sites controlados pelas Organizações Globo e associados. A
leitora tem a liberdade de compor a homepage com
que possa despertar interesse através de um menu de customização e
ter acesso a assuntos variados.
Por
que falei tanto deste canal? Porque navegando por ele tive a sensação
de que fui levada a sério. Ok, tudo bem que a razão disso possa ser
simplesmente uma maior amplitude quanto ao perfil do seu
público-alvo, mas ainda assim não pude deixar de me sentir feliz.
Os velhos assuntos ainda estão lá, firmes e fortes como sempre
estarão, mas como mulher não me senti tão subestimada quanto o que
talvez já me seja comum.
Eu
– que não tenho gosto ou paciência para gastar mundos e fundos
com roupa, sapato ou maquiagem, nem passo horas para decidir o que
vestir, não tenho melindres em passar a tesoura no cabelo, não sou
adepta da literatura de autoajuda nem tenho casamento e filhos como
sonho nutrido desde a infância – me senti contemplada.
Por
alguns instantes, tive a opção de escolher ser parte do estereótipo
feminino ou não, e me sentir mulher independente da minha escolha,
sem a imposição de uma suposta normalidade. A verdade é que não
corresponder a um suposto padrão julgado normal pode ser tão
angustiante quanto não ter o padrão de beleza do momento difundido
pela mídia.
Quem
sabe agora eu não me permita ter um pouco mais de esperança?
Talvez, em um dia não tão utópico, os interesses femininos possam
ser tidos como mais do que um mix entre
beleza, moda, casa, carreira e filhos. Assim as mulheres talvez
descubram que não precisam se sentir culpadas em serem diferentes e
possam optar por buscar o que mais houver além destes muros sem
transgredir regras milenares de comportamento.
(Reproduzido
do site do “Observatório da Imprensa”).
*
Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário