Eu
sou Ayotzinapa
*
Por Urda Alice Klueger
Dia
a dia espero por eles, assim como seus pais, suas famílias, as
pessoas de bem de todo o México e tantas, como eu, pelo mundo afora,
irmanados que somos pelo ideal bolivariano de uma pátria grande,
pelo ideal de Johnn Lennon, quando escreveu Imagine. Dia a dia vejo
as notícias (claro que não é pela Globo!) do que acontece em
Ayotzinapa, aquela cidade que a gente nem sabia que existia, e que,
desde então, tornou-se como que o centro do mundo, e espero, como os
pais e os amigos deles esperam, que aqueles jovens futuros
professores reapareçam, e o que eu mais ouço dos seus familiares é
o desejo de que reapareçam “com vida e saúde”.
Vi a entrevista, lá no final de setembro, de um jovem que nem desapareceu e nem morreu – fez-se de morto, atirado ao chão, pode ver algumas coisas, salvou-se milagrosamente. O que ele contou ultrapassa a capacidade de entendimento da maldade que pode haver num ser humano. Os 43 que sumiram foram levados embora pela polícia... para onde?
Primeiro houve a revolta do povo de Ayotzinapa, depois a do estado de Guerrero, onde fica a pequena cidade, depois a do México, e hoje ela se espalha pelo mundo, conforme as pessoas sensíveis vão sendo informadas, e eu também quero saber onde estão aqueles meus jovens irmãos que queriam ser professores e que sumiram como uma bolha de sabão que explode.
A pressão popular foi e está tão grande que o governo do estado de Guerrero já caiu; não vou achar estranho se cair até o presidente do México. Estão a investigar, pelo jeito com profundidade, pois já existem mais de 50 suspeitos presos, inclusive 36 policiais, mas quem foi que mandou sumir com os meninos de Ayotzinapa? Em data de ontem conseguiram achar, escondidos num subúrbio miserável, o ex-prefeito de Ayotzinapa e sua mulher, pessoas ligadas ao crime organizado, que se puseram em fuga antes mesmo de começarem a ser procurados. Segundo as autoridades mexicanas, são os principais suspeitos para se chegar a uma solução do caso.
Até agora já acharam 12 fossas clandestinas com 38 corpos calcinados, mas como ainda não se comprovou que nenhum deles é dos meninos estudantes, fica nos pais, nas famílias, no México e em mim a esperança de que, milagrosamente, ainda venham a reaparecer com vida e saúde aqueles rapazes que assim saíram de casa no dia 26 de setembro.
A revolta cresce no México e no mundo, e o Brasil pouco sabe a respeito, por conta da sua imprensa vendida. Mas dia a dia me informo e não consigo me conformar: onde estão aqueles meninos?
Hoje sou Ayotzinapa, até o fundo da alma. Eu sou cada um daqueles pais e daquelas mães, e quero saber o que aconteceu. E, como eles, quero os jovens estudantes de volta! O mundo já não pode suportar coisas assim.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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