segunda-feira, 30 de abril de 2018

O sonho sem destino - Natércia Freire


O sonho sem destino


* Por Natércia Freire


Se os caminhos são breves
e os dias tão compridos
e as tuas mãos mais leves
que a espuma dos vestidos;

se é de ti que me ondeia
uma brisa sutil…
E a vaga- diz: — Sereia!
E o sonho diz:— Abril!

Se cresces e dominas
os campos que acalento,
e inundas as colinas
de fontes que eu invento;

se tens na luz dos olhos
o misterioso apelo
das cidades de fogo,
das cidades de gelo;

se podem bem guardar
na tua mão fechada
o meu altivo Tudo
e o meu imenso Nada;

se cabe nos meus braços
a bruma que tu és,
e em algas e sargaços
te abraço nas marés;

se, puro, na presença
da nossa grande Casa,
pões na voz do horizonte
um lume de asa e brasa.

Não sei porque te sonho
na sombra matinal,
e ao meu lado te vejo,
real e irreal.

Sabeis — adaga fria,
que ao meu peito cintilas
onde se oculta o dia
das aragens tranquilas?

Se tudo sabes, mata
com dedos de oiro fino,
ou com gume de prata,
o sonho sem destino!

(De «Azul de Sete Pedras»)


* Poetisa portuguesa.

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