terça-feira, 24 de abril de 2018

Tragam a História de volta - Viegas Fernandes da Costa


Tragam a História de volta


* Por Viegas Fernandes da Costa


Quando houve o atentado de Charlottesville em 2017 nos Estados Unidos, o historiador Fernando Horta escreveu um artigo no qual discutia a necessidade de se devolver à história e aos historiadores o protagonismo na leitura e interpretação do mundo contemporâneo. "Tragam a História de volta", apelava Horta em seu texto.

Há duas semanas o Ministério da Educação publicou a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio. O documento define as diretrizes e disciplinas que os alunos deverão estudar na sua formação escolar. A História, como campo de saber próprio, não está lá. A História foi empurrada para os desvãos das perfumarias.

Quando Temer assumiu o governo, mudou o lema nacional. "Ordem e Progresso" estampam agora as peças publicitárias oficiais, o lema do positivismo do século XIX. Abandonamos a pátria educadora para calçarmos coturnos e marcharmos para a farsa do passado. Na escola positivista só há lugar para a gramática e as matemáticas, para aquilo que se convencionou chamar de ciências exatas. A História só serve se for para enaltecer o Estado e seus heróis. Só serve se puder fazer falar aqueles que já falam por meio dos pronunciamentos oficiais. E se o historiador francês Lucien Febvre alertava para a necessidade da história fazer falar as coisas mudas, não porque necessariamente mudas, mas emudecidas, o Brasil da "ordem e do progresso" dirá que ouvir a voz calada é desfraldar partido. É próprio do positivismo acreditar no todo. Trata-se de uma questão de fé. O todo nasce do silenciamento das partes. A sociedade como um corpo de onde se deve extirpar a célula doente. Já a História, esta que cresce no derramar do século XX com suas guerras e fomes globais, com suas válvulas, transistores e fibras óticas com sua imagem em movimento capaz de relativizar a importância do registro escrito, será para os olhos do governo positivista verdadeiro câncer;  

Morte aos pombos que cagam sobre a cabeça de concreto do general imortalizado na praça! Ou matam os pombos,ou suas fezes cobrirão de podridão a face da memória.

A história nas escolas é o pombo que caga sobre a cabeça de concreto do general. O general com seu uniforme de gala e sua espada desembainhada é a face de pedra de um Estado estéril.

As elites sempre souberam contar e estudar sua história. As elites de sangue e as de renda. A história pendurada nas paredes dos salões de visita com seus olhos que miram a eternidade. A história preservada em diários e cartas guardadas em delicadas caixas imunes ao tempo. Os pobres, entretanto, de mãos e pés gigantes, os abaporus lançados às margens, não possuem árvore genealógica. Para estes a História deve ser vedada. Quem tem história espera futuro. Pobre só tem presente. Pobre tem mesmo é que andar muito cansado para estar incapaz ao sonho. Pobre não tem tempo para estudar história.

"Meu filho, se souber escrever, somar e multiplicar, é suficiente", diz o homem simples que crê no paraíso. Enquanto isso, os filhos com pedigree aprenderão a tocar violino, falarão idiomas e discutirão a história da humanidade como que se este fosse um hobby exclusivo à elite letrada.

Por isso, tragam a História de volta!

* O autor é historiador e professor no IF-SC..


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