terça-feira, 24 de abril de 2018

Um pedido de desculpas literário - Vanessa Clasen


Um pedido de desculpas literário


* Por Vanessa Clasen


Às vezes, para fazer o que é certo, temos que desistir daquilo que mais queremos”…


A frase acima, parafraseada do filme Homem-Aranha, me fez refletir na amizade. Eu, do alto da minha sapiência e experiência inequívoca de três décadas bem vividas (que o leitor use de discernimento) apressei-me a pensar que ela soava bem para os super-heróis, mas que para as pessoas representaria um ato de covardia. A renúncia daquilo ou de quem tanto se ama; o que me pareceu na ocasião, um fato não passível de ser contrariado. Mas quando minha grande amiga chamou-me de arrogante e eu, ofendida, neguei-me a responder, voltei a refletir nessa frase. Pedir desculpas significa desistir que do que mais queremos e acreditamos?

Cultuo um hábito um tanto masoquista de refletir sobre a minha reação, e por isso, pensei em quando a tachei de covarde no meu coração. O caso é que só posso dizer que alguém é covarde se eu mesma for um exemplo de coragem. E o medo latente já me impediu de entrar em roubadas, é bem verdade, porém, também de sonhar novamente, de ser ingênua e pueril só por um instante a ponto de ver aquele brilho fascinante nos olhos de quem nos surpreende.

O que me fez refletir nisso foi assistir a um documentário sobre a vida de Coco Chanel, a estilista mais admirada de todos os tempos. Chanel nunca teve coragem de abrir mão da independência e dos medos pelo homem que amava. Temia ser abandonada, porque fora rejeitada pelo pai, e disse não a inúmeros pedidos de casamento. Porém, quando ela enfim resolveu ligar confessando seu amor, ele bateu o carro contra uma árvore quando ia encontrá-la, e, morreu sem que houvesse tempo para dizerem ao outro tudo que sentiam. Esse filme mexeu comigo e decidi não deixar nada para depois, já que nunca se sabe o que será de nós amanhã…

Por isso peço solenemente desculpas e seria de bom tom ainda que explicasse que foi o patético medo de sofrer de novo que me fez apontar o dedo em riste. Sim, esqueci completamente dos outros quatro dedos mirando exatamente no meu coração, sede das nossas agruras e destemperos mais cruéis. É tão fácil apontar os erros tão cristalinos do próximo que chega a ser covardia, e de fato é, porque esquecemos que julgamos os outros com os nossos filtros embaçados por traumas, experiências, sofrimentos, prazeres e desejos.

E agora vem a parte do pedir desculpas que me leva a uma pergunta: Qual a melhor maneira de pedir desculpas? Uma pesquisa no Google mostra por volta de quatro milhões de páginas com a expressão “pedir desculpas”. Dicionários apresentam sinônimos tais como justificar-se, solicitar absolvição, benevolência e indulgência. Há centenas, quiçá milhares, de frases estereotipadas de autores famosos e anônimos relacionando o desculpar-se a humildade e coragem.

A Bíblia sagrada também enfatiza a ideia de que se deve procurar o perdão do próximo para que se obtenha o perdão divino. E isso tudo faz muito sentido já que um pedido de perdão pode devolver a paz ao coração; com as desculpas pela rima empobrecida. Mas, por que então, ouvir um pedido de desculpas é mais raro que encontrar uma nota de R$100? Qual foi a ultima vez em que pedimos desculpas, sem ser por ter esbarrado em alguém na rua?

A razão da raridade desse ato tem a ver com nossa inabilidade em reconhecer que não somos perfeitos, embora seja o óbvio ululante, como já dizia Nelson Rodrigues. E também não pedimos desculpas porque temos medo, sim, o medo novamente, de ficarmos vulneráveis e sermos pisados e esmagados como uvas. Talvez o medo seja o de que não saia vinho do nosso orgulho esmagado e sim, que o outro se aproveite da nossa ‘fraqueza’ e nos manipule a seu bel prazer. Ou talvez seja ainda o receio de que quando confessarmos um erro o outro ficará a espreita para apontar imediatamente os próximos. Mas nos esquecemos de que o outro já tomou conhecimento do nosso erro há muito tempo, e apenas tenha medo de falar e nos perder.

Bom, depois de toda essa divagação, como devo pedir desculpas à distância, já que milhares de quilômetros nos separam? Devo pedir uma audiência na câmera, pois, nada supera o olho no olho, ainda que sem um abraço? Um telefonema seria suficiente ou um email seria mais adequado? De uma coisa eu sei: se eu mandasse um carro de som tocando ‘Desculpas’ do Luan Santana ela nunca mais olharia na minha cara, e quem em sã consciência a culparia?

Brincadeiras a parte, quem sabe eu dê sorte, ela leia esse texto, ache graça e me poupe do melodrama conferindo-me à honra divina do perdão... Todavia, meu caro leitor, às vezes, temos que apelar para garantir o sucesso da empreitada: “...Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós mesmos também perdoamos a todo aquele que está em dívida conosco” (Lucas 11:4).

Ou você prefere ouvir a voz pouco melodiosa do Luan num carro reluzente sendo apresentado por uma ‘lady’ com pele de maracujá de gaveta e voz de barítono fumante? “It’s up to you, baby”*

...

(* “Você decide, meu bem”).


Nota: O texto acima foi publicado na segunda quinzena de outubro de 2004 no jornal Folha SC. 

* Jornalista, nascida em Florianópolis, que trabalha como assessora de comunicação.



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