Um
pedido de desculpas literário
*
Por Vanessa Clasen
“Às
vezes, para fazer o que é certo, temos que desistir daquilo que
mais queremos”…
A
frase acima, parafraseada do filme Homem-Aranha, me fez refletir na
amizade. Eu, do alto da minha sapiência e experiência inequívoca
de três décadas bem vividas (que o leitor use de discernimento)
apressei-me a pensar que ela soava bem para os super-heróis, mas que
para as pessoas representaria um ato de covardia. A renúncia daquilo
ou de quem tanto se ama; o que me pareceu na ocasião, um fato não
passível de ser contrariado. Mas quando minha grande amiga chamou-me
de arrogante e eu, ofendida, neguei-me a responder, voltei a refletir
nessa frase. Pedir desculpas significa desistir que do que mais
queremos e acreditamos?
Cultuo
um hábito um tanto masoquista de refletir sobre a minha reação, e
por isso, pensei em quando a tachei de covarde no meu coração. O
caso é que só posso dizer que alguém é covarde se eu mesma for um
exemplo de coragem. E o medo latente já me impediu de entrar em
roubadas, é bem verdade, porém, também de sonhar novamente, de ser
ingênua e pueril só por um instante a ponto de ver aquele brilho
fascinante nos olhos de quem nos surpreende.
O
que me fez refletir nisso foi assistir a um documentário sobre a
vida de Coco Chanel, a estilista mais admirada de todos os tempos.
Chanel nunca teve coragem de abrir mão da independência e dos medos
pelo homem que amava. Temia ser abandonada, porque fora rejeitada
pelo pai, e disse não a inúmeros pedidos de casamento. Porém,
quando ela enfim resolveu ligar confessando seu amor, ele bateu o
carro contra uma árvore quando ia encontrá-la, e, morreu sem que
houvesse tempo para dizerem ao outro tudo
que sentiam. Esse filme mexeu comigo e decidi não deixar nada para
depois, já que nunca se sabe o que será de nós amanhã…
Por
isso peço solenemente desculpas e seria de bom tom ainda que
explicasse que foi o patético medo de sofrer de novo que me fez
apontar o dedo em riste. Sim, esqueci completamente dos outros quatro
dedos mirando exatamente no meu coração, sede das nossas agruras e
destemperos mais cruéis. É tão fácil apontar os erros tão
cristalinos do próximo que chega a ser covardia, e de fato é,
porque esquecemos que julgamos os outros com os nossos filtros
embaçados por traumas, experiências, sofrimentos, prazeres e
desejos.
E
agora vem a parte do pedir desculpas que me leva a uma pergunta: Qual
a melhor maneira de pedir desculpas? Uma pesquisa no Google mostra
por volta de quatro milhões de páginas com a expressão “pedir
desculpas”. Dicionários apresentam sinônimos tais como
justificar-se, solicitar absolvição, benevolência
e indulgência.
Há centenas, quiçá milhares, de frases estereotipadas de autores
famosos e anônimos relacionando o desculpar-se a humildade e
coragem.
A
Bíblia sagrada também enfatiza a ideia de que se deve procurar o
perdão do
próximo
para que se obtenha o perdão divino. E isso tudo faz muito sentido
já que um pedido de perdão pode devolver a paz ao coração; com as
desculpas pela rima empobrecida. Mas, por que então, ouvir um pedido
de desculpas é mais raro que encontrar uma nota de R$100? Qual foi a
ultima vez em que pedimos desculpas, sem ser por ter esbarrado em
alguém na rua?
A
razão da raridade desse ato tem a ver com nossa inabilidade em
reconhecer que não somos perfeitos, embora seja o óbvio ululante,
como já dizia Nelson Rodrigues. E também não pedimos desculpas
porque temos medo, sim, o medo novamente, de ficarmos vulneráveis
e sermos pisados e esmagados como uvas. Talvez o medo seja o de que
não saia vinho do nosso orgulho esmagado e sim, que o outro se
aproveite da nossa ‘fraqueza’ e nos manipule a seu bel prazer. Ou
talvez seja ainda o receio de que quando confessarmos um erro o outro
ficará a espreita para apontar imediatamente os próximos. Mas nos
esquecemos de que o outro já tomou conhecimento do nosso erro há
muito tempo, e apenas tenha medo de falar e nos perder.
Bom,
depois de toda essa divagação, como devo pedir desculpas à
distância, já que milhares de quilômetros nos separam? Devo pedir
uma audiência na câmera, pois, nada supera o olho no olho, ainda
que sem um abraço? Um telefonema seria suficiente ou um email seria
mais adequado? De uma coisa eu sei: se eu mandasse um carro de som
tocando ‘Desculpas’ do Luan Santana ela nunca mais olharia na
minha cara, e quem em sã consciência a culparia?
Brincadeiras
a parte, quem sabe eu dê sorte, ela leia esse texto, ache graça e
me poupe do melodrama conferindo-me à honra divina do perdão...
Todavia, meu caro leitor, às vezes, temos que apelar para garantir o
sucesso da empreitada: “...Perdoa-nos
os nossos pecados, pois nós mesmos também perdoamos a todo aquele
que está em dívida conosco” (Lucas
11:4).
Ou
você prefere ouvir a voz pouco melodiosa do Luan num carro reluzente
sendo apresentado por uma ‘lady’ com pele de maracujá de gaveta
e voz de barítono fumante? “It’s
up to you, baby”*
...
(*
“Você decide, meu bem”).
Nota:
O texto acima foi publicado na segunda quinzena de outubro de
2004 no jornal Folha SC.
*
Jornalista, nascida em Florianópolis, que trabalha como assessora
de comunicação.
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