O amante tímido
*
Por
Gustavo Carmo
Desde os tempos da escola
primária, Nestor sempre se apaixonava por alguma menina. Nunca era
correspondido. Aos dez anos, os seus sonhos eram apenas roubar um
beijo inocente da amada da vez. Antes de se declarar, as garotas já
paravam de falar com ele. Principalmente quando os amigos e amigas
descobriam.
Nestor não era feio. Pelo
contrário. Tinha cabelos castanhos claros, repartidos ao meio,
jogados para trás. Era bochechudo, mas não era gordo. Muito tímido,
também. Mas as meninas não viam a sua beleza perfeitamente porque
ele ficava escondido atrás de uns óculos fundo de garrafa, de
armação quadrada.
Veio a puberdade e, com ela,
as acnes, a barbicha e a voz grossa. A beleza de Nestor foi embora,
mas a timidez e a miopia, não. Esta cresceu ainda mais, junto com a
altura do corpo. As meninas continuavam fugindo e ignorando. Nesta
fase adolescente, os sonhos já eram mais eróticos. A inocência do
primeiro beijo deu lugar ao desejo de ver outras partes do corpo das
moças, além das pernas.
A concorrência também já
era maior, pois todas as mais bonitas tinham namorados. Eram homens
feitos, alguns fortes, outros narcisistas, metidos e antipáticos.
Iam buscar suas namoradas no colégio de segundo grau e, na saída,
as exibiam como reluzentes troféus.
Das paixões platônicas de
Nestor, uma se achava muito nova para namorar. Outra o achava muito
novo e também não queria namorar tão cedo. Três o achavam muito
pirralho, não queriam namorar cedo e ainda o achavam feio. Duas
tinham todas essas opiniões e já tinham namorado. Uma já era
casada.
E foi por causa desta que
Nestor, pela primeira vez na sua vida, quis morrer. Chorou até
vomitar. Fez greve de fome, ameaçou cortar os pulsos, se jogar pela
janela, enforcar-se e vários outros ensaios de tentativas de
suicídio. Mas acabou se conformando.
Estava no início da faculdade
quando “perdeu” esta mulher por quem queria morrer. Amadureceu.
Passou a sempre tentar descobrir primeiro se alguma mulher já estava
comprometida antes de se interessar por ela. Era para evitar grandes
traumas amorosos. Como praticamente todas já tinham dono, ficou anos
sem se apaixonar.
Os seus sonhos com as mulheres
já iam além de descobrir seios, bundas e virilhas das mulheres. O
desejo agora era possuí-las em longas horas de sexo. Ao mesmo tempo,
Nestor sonhava em casar e ter filhos com elas. Sonhava com a
companhia delas em todas as ocasiões, como festas de aniversário,
churrascos, casamentos e até em internações e enterros.
Tinha uns vinte e dois anos e
não usava mais óculos de lentes grossas – operou a miopia –
quando tentou se apaixonar mais uma vez. O alvo era uma moça muito
bonita que atendia a todos os requisitos de beleza dos homens e
também de Nestor. Além de tudo, era um amor de pessoa. Simpática e
prestativa. Era também uma mulher muito discreta. Se era noiva,
casada ou tinha namorado, não demonstrava. Não usava aliança – o
mais eficiente repelente contra homens ingênuos apaixonados – em
nenhum dedo das mãos. Se descobrisse que ela era enamorada, noiva ou
casada, não seria o fim do mundo. Assimilaria o choque, levantava a
poeira e partiria para outra.
Mas não era bem assim. Nestor
já estava cegamente apaixonado por Natanaelle. Ao descobrir que ela
estava começando a namorar um amigo seu da faculdade, levou um balde
de gelo. Sim, de gelo. Porque doeu tanto pela temperatura da água
congelada quanto pelo impacto da pedra em sua cabeça. Não agrediu
ninguém. Nem com socos e pontapés. Nem com xingamentos humilhantes.
Apenas cortou relações com os dois. Sem comunicá-los. O novo casal
nem se preocupou com o rompimento e sequer tentou uma reconciliação
com o fiel amigo Nestor, que jurou sobre a bíblia nunca mais se
apaixonar por ninguém na sua vida. Cansou de ser rejeitado e de
querer ser exclusivo. Decidiu que ia virar amante, se pudesse. Se
antes ele não queria dividir seus amores com outros homens, agora
estes são quem terão que dividir suas esposas com ele.
Esposas porque as meninas que
interessavam a Nestor já eram mulheres e a maioria casada. As moças
agora eram troféus de seus maridos, que já não eram
majoritariamente garotões musculosos, vaidosos, narcisistas e
antipáticos. Na fase adulta de Nestor, seus concorrentes eram
empresários quarentões, ricos e, alguns, gordos e carecas.
Nestor sempre gostou de
mulheres mais velhas ou equivalentes à sua idade. Com o tempo,
passou a se interessar por moças mais jovens do que ele, algumas até
com uma década de diferença. Mas foi mesmo uma quarentona que ele
conquistou. Conheceram-se no banco onde trabalhavam. Ele como caixa.
Ela, gerente.
Sophia era uma mulher madura,
alta, de cabelos lisos e negros, pele clara e enxuta, seios
siliconados e barriga lipoaspirada. Mãe de três crianças, sendo
duas meninas e um garotinho de dois anos caçula e temporão.
Encantou-se rapidamente pela simpatia e o sorriso tímido de Nestor.
Estava cansada do casamento,
mas não podia largar o marido e os filhos, aos quais amava demais.
No entanto, resolveu tirar uma folga dos rebentos por um dia. Numa
sexta-feira, deixou as três crianças na casa da irmã solteira e
decidiu convidar Nestor para sair depois do expediente. Estava
preparada para os rodeios do rapaz aparentemente virgem e suas
desculpas para evitar o assédio da mulher casada.
Convicto de sua nova ideologia
sentimental, Nestor surpreendeu Sophia com um sonoro “Já é!”.
O fato de ela ser bem casada já não lhe importava mais. Queria
arriscar e sequer pensou se o marido era um ciumento doentio ou um
corno convencido.
Para não dar bandeira a
possíveis colegas fofoqueiros que poderiam dar com a língua nos
dentes ao seu marido, Sophia disfarçou e saiu antes do banco. Nestor
teve que ir de ônibus encontrá-la em um barzinho no Leblon. Beberam
juntos à tardinha e a noite inteira. Primeiro conversaram sobre o
trabalho no banco, no Méier. Depois sobre a vida de cada um. Sophia
falou do seu casamento e dos filhos. Nestor, de suas frustrações
românticas. Terminaram a noite arrulhando como pombinhos.
Sophia levou o colega para a
sua casa na Lagoa. Já sabendo que Nestor era virgem, não foi com
muita sede ao pote. Mais uma vez, Nestor a impressionou com tanta
maturidade sexual que Sophia até desconfiou da virgindade do rapaz.
Não se importou com uma
possível mentira de Nestor. Estava tão feliz com o prazer
extraordinário que nunca havia tido com o marido, com o domínio de
seu corpo pelo rapaz, que não quis estragar o clima com discussões
sobre a experiência do novo amante.
Encontraram-se mais vezes.
Duas, três, cinco, dez. Todas com o mesmo apetite sexual. Nestor
tornou-se o amante oficial de Sophia. O garanhão. O garoto de
programa pessoal e gratuito. Era isso que ele desejava depois de
tantas decepções amorosas e ingênuas.
Um dia, o marido descobriu a
relação extraconjugal de Sophia. O tímido Nestor realizou os
sonhos eróticos da pós-adolescência. Só não conseguiu realizar o
sonho de casar e ter filhos com uma mulher que o acompanhasse em
todas as ocasiões, como festas de aniversário, churrascos,
casamentos e até em internações e enterros.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
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