Neste dia ela chorou
* Por Cristiane de Sá
Ela cheirou o cabelo dele e
beijou suas costas
e disse repetitivamente que
sentia saudade.
Ela pediu um abraço, ela
queria tanto...
mas ela não ganhou o abraço.
Na cama dele ela adormecia
como um anjo deitado de conchinha.
Para sentir um pouco do corpo
dele
ela soltou o laço de seu
vestido verde de flores vermelhas.
Para um encontro de costas.
Em alguns tempos, ela sentia o
suor como gota,
fazendo um caminho;
no corpo dele e no dela.
Ela só queria um gesto...um
gesto só de amor.
Foi quando os pés dele
cobriram os dela,
quando ela sentiu o outro...
e ela sorriu em silêncio no
quarto escuro.
Ela sentiu os dedos dele
sentindo os dela
Foi o dedo, os dedos do pé
dele fazendo carinho.
Ela sentiu. Viu que ele também
achava bom.
Mas foi ficando cansada...de
tanto fazer carinho
nos cachos da cabeça dele.
E foi aos poucos
adormecendo...adormecendo...não querendo
adormecer, porque sabia que o
tempo era curto, ela dizia:
O tempo é curto.
E então dormiu e acordou.
Porque foi rápido.
Ela olhou pro lado e ele
estava virado para o lado dela.
Ele dormia como um anjo de
cabelos negros e encaracolados...
Era lindo....
Então ela suspirou alto, pois
tinha que ir mais uma vez.
Ali, naquela manhã fria e ao
lado dele ela teve que partir.
Ela levantou-se, tomou um
banho quente,
olhou pelos arredores para ver
se via alguma coisa,
lembrou e buscou naquela
gaveta de baixo.
Depois de tudo guardado,
ele levantou a cabeça e ela
lhe deu um beijo debaixo do olho
Bem ali, e foi embora.
Antes que passassem dois
quarteirões,
ela lembrou que algo ficava
pra trás e ela voltou pra não deixar nada.
Depois ela viu que não
adiantara,
havia esquecido a escova de
dente.
Então percebeu que era tarde
demais para aquilo acabar.
Ela amaria eternamente,
como ele ama o livro sobre
nada, Caetano, Miguel Rio Branco, purê de batata e fotografia.
Ela amaria eternamente o
não-fotografado.
Porque era um devir.
Ele procurava e não via, ela
não via que ele não vira, ela que, estava ali,
no entanto.
No entanto ele que estava ali.
Tudo errou.
...Já dizia Clarice...
*
Jornalista, atriz e assistente de produção cultural
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