Em
defesa de Geddel: tecnicamente inocente
* Por
José Ribamar Bessa Freire
O
ex-ministro Geddel Vieira (PMDB vixe vixe), preso na sexta-feira (8)
por guardar malas no valor de mais de 51 milhões de reais, será
solto outra vez – aguardem - porque tecnicamente é inocente. Vejam
bem: estou enfatizando o “tecnicamente”, coisa que os leigos
famintos de justiça não entendem, porque desconhecem as leis e o
latinorum. Ignoram que as decisões de um magistrado são sempre
amparadas em “critérios técnicos”, como já esclareceu Gilmar
Mendes, o mais “técnico” de todos os juízes. O juiz tem que ser
"técnico", não pode ficar atendendo a sede de justiça do
populacho.
“Sujeitos
da esquina” sedentos de justiça costumam esquecer aspectos
“técnicos”, como no caso do cara que ejaculou no pescoço de uma
passageira dentro do ônibus na Avenida Paulista e que tinha
registros de 17 antecedentes de agressão sexual. O juiz José
Eugênio Souza bem que queria mantê-lo preso, mas – puxa vida! -
foi obrigado a soltá-lo, conforme declarou, por causa dos tais
“critérios técnicos”, já que o punheteiro não usou de
violência para constranger a vítima. E aí a regra é clara,
Arnaldo. A porra foi pacífica e deixou intacto o judiciário, porque
não foi sobre a filha do juiz, que aliás nem anda de ônibus.
Quem
continua preso, por ser tecnicamente considerado violento, é o
catador de material de reciclagem, Rafael Braga, jovem, negro e
pobre, que durante as manifestações contra o aumento das passagens
de ônibus, em 2013, portava uma garrafa de Pinho Sol e outra de água
sanitária destinadas, segundo a polícia, à fabricação de
coquetel molotov. Por isso, foi penalizado com 5 anos e 10 meses de
reclusão. Recorreu alegando que garrafa de plástico não explode.
Foi, então, acusado de tráfico de drogas e condenado a 11 anos de
prisão. Tecnicamente sem apelação.
Percevejo
de Gabinete
Já
o pecuarista e cacauicultor Geddel Vieira, ex-ministro de Michel
Temer que o havia indicado para ser ministro de Lula, jamais empregou
violência. Usou sempre métodos suaves e pacíficos. Foi assim no
escândalo dos “anões do orçamento” descoberto em 1993, quando
criou entidades sociais fantasmas para embolsar verbas públicas com
outros colegas parlamentares, o que levou o ex-presidente Itamar
Franco a apelidá-lo de “percevejo de gabinete”, inseto que chupa
o sangue humano. Na época, conseguiu se safar da prisão graças às
“normas técnicas” do Direito Penal.
No
entanto, em julho último foi preso depois de delatado pelo doleiro
Lúcio Funaro. Ficou apenas uma semana no Presídio da Papuda, de
onde saiu graças a habeas corpus “técnico” concedido por três
desembargadores do Tribunal Regional Federal que consideraram a
prisão desproporcional, “um
canhão para matar um mosquito”,
segundo Ney Bello, relator do caso, para quem “não
houve ofensa, agressão, coação, cooptação, proposta indecorosa,
financeira ou moral”
nas conversas de Geddel com a mulher do doleiro Lúcio Funaro. A
prisão domiciliar decretada foi uma decisão “técnica”.
De
lá pra cá, Geddel, o mosquito, ficou em casa sem monitoramento por
falta de tornozeleira eletrônica. Não foi preciso. Imagina! Ele
nunca usou garrafas, nem mesmo de plástico, para fabricar
explosivos. Comportou-se sempre como um comendador que recebeu
medalhas das três armas e do judiciário: Grande Chanceler da Ordem
de Cristo, da Ordem do Mérito Aeronáutico, do Rio Branco, do Mérito
Judiciário do Trabalho, do Mérito Militar, do Mérito Naval. É bom
lembrar que ao contrário de Rafael Braga, Geddel está todo
emerdalhado por instituições respeitáveis. Tecnicamente, isso
pesa.
Conversa
de bêbado
No
entanto, a Polícia Federal acaba de encontrar R$ 42,6 milhões e US$
2,7 milhões num apartamento em Salvador cedido a Geddel, com suas
impressões digitais nas cédulas. Desconfiaram que ele planejava se
pirulitar do Brasil. O Ministério Público (MPF) no pedido dessa
segunda prisão preventiva, alegou que o peemedebista é um
“criminoso em série” que construiu sua carreira com crimes
financeiros contra a Administração Pública. Uma busca foi feita no
apartamento da mãe de Geddel que já deu uma dica para alimentar os
“critérios técnicos” do Judiciário:
-
Meu filho não é bandido, ele é doente.
Ou
seja, a voracidade de Geddel por grana é uma doença que requer
cuidados clínicos e não encarceramento em presídio, como o caso do
médico Roger Abdelmassih, que violentava sexualmente suas pacientes
e teve habeas-corpus concedido por Gilmar Mendes, em decisão
“estritamente técnica” uma vez que o médico, por estar com seu
registro cassado, “não
representava mais perigo”,
o que não é o caso de Rafael Braga. Assim, Geddel é inocente, com
uma atenuante: no pedido da prisão escreveram Gedel (com um “d).
Tecnicamente, o criminoso é Gedel e não Geddel. É o primeiro que a
Polícia deve prender, o segundo deve ser solto. A Lei das
Organizações Criminosas (12.850/2013) precisa ser respeitada, do
contrário vale tudo.
Aliás,
argumentação semelhante está sendo usada por Michel Temer, Rocha
Loures e Aécio Neves para desqualificar as malas de dinheiro
filmadas e a conversa gravada no porão do Palácio do Jaburu. Eles
invocam a mencionada Lei 12.850/2013 que atribui exclusivamente aos
agentes do Estado a função investigativa. Ora, Loures, Aécio e
Temer foram filmados e gravados pela Polícia sem a autorização
prévia do STF, o que configura a obtenção de prova ilícita.
Temer
foi gravado por Joesley, "o que solapa o princípio da não
autoincriminação" como argumentou um doutor em processo penal.
Temer pode peidar - ele peidou, pode fazer barulho - fez um
estrondo, pode feder - fedeu muito, mas se a flatulência foi
induzida por feijoada com cebola oferecida por Joesley, tecnicamente
não houve peido. A Lei 12.850/2013 é clara. Além disso,
tecnicamente, tais provas não tem valor, já que o próprio Joesley
Batista admitiu que ninguém pode acreditar na gravação entre ele e
Ricardo Saud, porque se trata de uma “conversa de bêbados” e,
tecnicamente, como todo mundo sabe, conversa de bêbado não tem
dono. O importante não são as provas, não é o julgamento e a
prisão dos criminosos, mas o respeito à lei que deve ser preservada
a qualquer custo.
Os
“sujeitos da esquina” desconfiam dos tais “critérios técnicos”
que são invocados mormente (mormente é ótimo!) quando se trata de
proteger bandidos de colarinho branco ou machões estupradores.
Parece que quem está obstruindo a justiça é justamente o “critério
técnico”, que já salvou da prisão até o afilhado de casamento
de Gilmar Mendes. Dizer que "o juiz agiu tecnicamente"
quase sempre significa que se usou a "tecnicalidade" para
cometer uma injustiça.
*
Jornalista e historiador.
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