quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Telemarketing, boa tarde!

* Por Mara Narciso
 
Entre as piores profissões do mundo, pelo mal que fazem aos trabalhadores, o telemarketing ocupa o topo do ranking. Não só do outro lado da linha bate um coração, como também sangra uma alma. Jovens em seu primeiro emprego encontram ali a oportunidade de entrar no mercado de trabalho. Com o segundo grau completo, conhecimentos de informática, fazem a entrevista, e, aprovados, fazem um curto treinamento, começando o trabalho e a penitência.
 
Terceirizados, os que trabalham com telefonia celular são os mais torturados da classe. Precisam vencer metas inatingíveis, conflitantes com seus próprios princípios. Deles se exigem convencer que o cliente, mesmo certo está errado, usando-se técnicas ensinadas pelos próprios chefes, promotores de assédio moral. A empresa poderosa lhes paga o salário, para vencer todas, mesmo as mais absurdas pendengas, em detrimento do reclamante, a parte fraca, para a qual um real faz diferença. O trabalhador passa seis horas por dia defendendo o indefensável, repetindo o mesmo discurso hora após hora, recebendo xingamentos de quem teve prejuízo, enquanto defende quem burla a boas condutas do comércio. O cliente jamais tem razão.
 
Quando o usuário sente-se lesado, precisa ser ressarcido do sumiço de créditos, estorno da cobrança indevida, ou volta ao cumprimento do contrato. Encerrar um plano é missão inatingível. Ao telefonar, dá de cara com o atendente que atua como bucha de canhão, alguém na linha de frente do campo de batalha. Para defender seu salário, precisa penalizar o correto, convencendo-o de que a empresa agiu certo. O permanente conflito compromete até mentes equilibradas. Em pouco tempo o atendente passa a apresentar insônia, dores osteomusculares, tiques nervosos, distúrbios digestivos e obesidade. Engordam vários quilos por mês, e uns poucos emagrecem.
 
Não é apenas a tensão que gera transtorno alimentar. Não é só o fato de agir como Robin Hood às avessas, que faz engordar. É mais do que isso. Na estratégia do domínio pela infantilização, o contato entre chefes e chefiado favorece o adoecer, chegando até mesmo à síndrome do pânico.
 
Nos joguinhos de compensação, quando um atendente cumpre uma meta, seus chefes oferecem um prêmio: doces e balas, especialmente de chocolate. Tratam os funcionários como meninos ou animais condicionados, premiando suas habilidades. São festejados como se agrada crianças. E, com as mentes domesticadas por chefes e chefetes daquela pirâmide organizacional opressora ficam dóceis. A imbecilização do funcionário visa deixá-lo débil e manipulável, sem resistência intelectual e espírito crítico, um mero joguete dentro do sistema. Robotizados, caso errem, sofrem ameaças. Tempo cronometrado no banheiro, ar-condicionado trincando, tudo é armado para oprimir e enfraquecer.
 
Todos se irritam quando o telemarketing arromba a porta e invade seu lar. Há quem diga não estar interessado naquela oferta, mas, quando, ao contrário, o usuário liga em busca de ajuda, diante das ingerências e demoras além do razoável, perdem a compostura, pois tentam negociar com uma parede. O atendente férreo de telemarketing é firme como uma rocha por fora e trêmulo como geleia por dentro. O lado fraco é o consumidor, mas, mais frágil é o operador de telemarketing. Quem olhará por esses trabalhadores, uma juventude sem ferramentas psíquicas adequadas para lidar com esse problema?
 

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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