Quebra
de serviço
* Por
Marcelo Sguassábia
Com
a riqueza e a fama, a gente se acostuma fácil. Duro mesmo é se
readaptar ao inferno depois de uma bela temporada no paraíso. Mas
agora é assim, e não há nada que se possa fazer a respeito.
Material esportivo novo e à vontade? Foi-se o tempo. Enquanto um
calção está em jogo, o outro – emprestado – ficou em casa de
molho com sabão de ação concentrada para ver se sai uma mancha de
saibro, causada por um escorregão feio na última partida. A queda,
na quadra e no ranking, abriu um rasgo nos fundilhos, mas nada que
uma tia velha que costura pra fora não possa resolver.
Troquei
o treinador pelo paredão, e essa miserável alternativa consegue ser
pior do que praticar com aquelas máquinas lançadoras de bolas (que,
aliás, precisei permutar com 12 tubos de bolas Wilson, já que as
três últimas que tinha estavam carecas e rachadas). Os bons tempos
das nove raquetes novinhas e embaladas em plástico por partida, de 4
materiais diferentes, agora se resumem a uma filha única, de aro
entortado e encordoamento frouxo. O pior é que não posso exigir
muito dela nos treinos, caso contrário não sobra raquete para as
partidas.
O
contrato com a Nike foi quebrado unilateralmente, e tive que assinar
às pressas com a paraguaia Neki, que é quem custeia o sabão de
ação concentrada para tirar as manchas dos calções – o meu e o
emprestado.
Na
última partida ainda sob o contrato antigo, nem todos percebiam mas
a inanição já minava a minha massa muscular, comprometendo a
performance e distraindo minha atenção do jogo. Estávamos nas
oitavas de final do US Open, e o juiz interrompeu a partida para dar
uma raspança em um espectador que saiu do seu lugar para comprar um
hambúrguer. O meu e todos os olhares do mundo voltaram-se para ele,
já que ninguém pode se movimentar pela arquibancada com o jogo em
andamento. A diferença é que, enquanto todos lamentavam a
desconcentração causada pelo ocorrido, eu olhava salivando para
aquele suculento sanduíche transbordante de recheio. Eu queria levar
aquele Double Open Extra Burger para a cama e botar minha fome em
luta corporal com ele.
Até
outro dia, eu só assinava autógrafos e meus assessores cuidavam do
resto. Agora, vivo assinando promissórias e empréstimos bancários.
O último autógrafo que dei como astro das quadras foi para o irmão
de um agiota para quem penhorei todos os troféus de Grand Slam, e
que ainda se lembrava vagamente da minha glória antes da decadência.
Bem,
depois prossigo este relato. O porteiro do prédio acabou de
interfonar, dizendo que o representante da Laboste está subindo aqui
para a minha kitnet. Veio falar sobre uma proposta de abandonar o
patrocínio da Neki e assinar com a marca deles para a temporada
2018.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Triste fim de Policarpo Quaresma.
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