domingo, 24 de setembro de 2017

Devaneios otimistas de um pessimista inveterado


* Por Fernando Mariz Masagão



Este texto começa como uma tentativa frustrada, eu sei. Vou tentar algo que me é impossível: escrever alguma coisa otimista. Para vocês terem uma ideia do grau de dificuldade da tarefa que eu estou me impondo, começo já com a certeza de que não vou conseguir. Sou um pessimista por formação, convicção e conformação (genética). Mas ando recebendo apelos e mais apelos para parar de ser tão reclaminha. O Zé Paulo Lanyi vive me dizendo “Fernando, já deu no saco esse papo de dor, de vontade de morrer, de amarga decepção para com os homens e a existência. Todo mundo já sabe que a vida é uma merda.” Já a Mariella Augusta diz que esta insistência nas minhas ladainhas se deve ao fato de eu ser um escritor neófito. “É, escrever sobre a morte, sobre a falta de sentido da vida, é coisa de cabaço, de quem não tem pegada. Mas isso passa.”

Confesso que não os escutei e, a princípio, ignorei o conselho dos dois – mesmo admirando a pujança do talento literário de ambos. Meus botões me garantiam que minha angústia era interessantíssima para os leitores do Literário, e assim, perseverei choramingando meu espanto para com Deus de todo o jeito que encontrei.

Mas as reclamações não cessaram – nem as minhas, nem as do povo. E comecei a receber cartas e mais cartas de todas as partes do planeta. Numa delas nosso imortal, Paulo Coelho, asseverava que lá na Academia eu não poria os pés se continuasse daquele jeito. E junto com a missiva vinha anexado um abaixo-assinado, subscrito por todos os outros imortais, instando para que eu adotasse uma postura mais Poliana em relação à literatura. Afinal, tristes e melancólicos os séculos passados já haviam parido em grande quantidade e com o talento para o nhé-nhé-nhé infinitamente superior ao meu.

Minha caixa de e-mail ficou congestionada. Recebi uma mensagem eletrônica psicografada de uma menininha de onze anos que havia morrido carbonizada num incêndio, mas que me garantia que morrer era o maior barato. “É só o senhor esperar para ver. É meio estranho na hora, mas é cheio de gente bacana aqui no além.” E terminava enfática: “Deixe de churumelas”.

Meus vizinhos e colegas de trabalho passaram a evitar minha companhia. Meu pai me deserdou porque minha mãe não pára de chorar, inconsolável, clamando aos céus, “onde foi que eu errei, meu deus, onde foi que eu errei!” noite e dia. Cheguei mesmo a apanhar de uma velhinha na rua. Choveram guarda-chuvadas na minha cabeça triste. Doía mais nela do que em mim, garantia, “mas aquilo era necessário para ver se eu tomava jeito”, me explicou, depois, docemente.

Para você terem uma ideia em que pé eu caceteei a todos, na semana passada acordei com a cabeça do meu cavalo de raça empapando de espesso sangue os lençóis de minha cama. E pra piorar tudo, de noite, Fidel Castro ligou a cobrar e passou doze horas me explicando que eu não passava de um burguês alienado. “Como era possível eu reclamar tanto de tudo vivendo num país governado pelo Lula. Será que eu não tinha vergonha na cara, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc...”

Mas só tomei a peito a tarefa hercúlea de escrever algo otimista depois que Nicole Kidman ameaçou acabar com nosso romance. “Eu não me separei do Tom para você ficar fazendo papel de babaca em público”, dizia furiosa. “Não fica bem num homem tão bonito e tão bom de cama esse ar de Werther sem Prozac”. Pois é, meus amigos de comiseração, foi a gota d’água. E assim, ante a possibilidade de perder uma de minhas amantes, me lancei em direção ao abismo do otimismo. Claro, ainda relutei em noites insones, refletindo que o que estava me sendo pedido era a certeza de mais uma frustração. “O que é que essa gente quer, porra! Que eu me foda de vez!? Será possível que só o Paulo Ludmer aprecie meus textos?”, desesperava.

A filosofia do pessimismo sempre fora minha muleta metafísica. “Se der errado, não foi por falta de aviso. Se der certo, que bom, eu estava errado.” Eis a lógica do pessimismo. Não tenho nenhum problema em estar errado. Já me acostumei. Aliás, não é preciso nenhum esforço para saber que a autoestima dos pessimistas apanha mais do que o Sport Club Corinthians Paulista. As perspectivas de dentro do seio do pessimismo são as mais acalentadoras e promissoras. Nada mais otimista que o pessimismo.

Mas ante a possibilidade de perder Nicole; ante a possibilidade de perder o carinho de meus amigos e familiares; ante a possibilidade de perder o respeito de meus contemporâneos e, quiçá, da posteridade, resolvi empreender este texto que, por si só, já é um libelo do otimismo. Há metalinguagem nele, reparem.

Todavia, vou ter que parar por aqui. Nem percebi como começou, foi tudo muito rápido. Mas a escada dos bombeiros já alcançou o meu andar e se eu me demorar mais, escrevendo, vou acabar fazendo companhia à menininha de 11 anos e seus amigos tão bacanas.

(*) Fernando Mariz Masagão é músico, dramaturgo, poeta e colaborador de publicações online sobre arte, com crônicas e críticas musicais. Guitarrista e vocalista de bandas de rock'n'roll, tem formação clássica vigorosa, em cursos de regência sinfônica, apreciação musical e instrumentação.




Nenhum comentário:

Postar um comentário