segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Esse tempo ocioso


* Por Donald Malschitsky


É chavão: prática de esportes, música, artesanato  e assim vai com uma série de ofertas, positivas em si, destinadas a ocupar o tempo ocioso das crianças e adolescentes.

De onde surgiu esse “tempo ocioso”? Não lembro de sua existência há mais de 40 anos.  Falta de tempo, sim, ou alguém acha que é fácil ir à aula, enxugar louça, fazer café, buscar lenha, caçar borboletas (!) e passarinhos (!!),  saber onde estão os amigos e convencê-los a participar de empreitadas nem sempre seguras, cumprir as tarefas escolares e às vezes estudar um pouquinho,  aprender a cozinhar,  jogar futebol sendo um tremendo de um perna de pau, construir cabanas,  achar cipós no meio do mato para se balançar, andar de bicicleta à procura de lugares  para nadar e pescar,  curar as feridas dos tombos, ler gibis, livros e, até, as fotonovelas das irmãs, criar barracas com cobertores dentro de casa em dias de chuva, ir à doutrina, aprender datilografia, passar horas planejando como se aproximar das meninas e mais horas ainda fugindo delas, plantar legumes e verduras, exasperar-se com a dificuldade de sintonizar alguma rádio que tocasse música de “Jovem Guarda” e, ufa!, dormir cedo. Se, no meio de tudo isso, o ócio vinha, era tempo de sonhar um pouco.

Sim, as coisas mudaram e muitas crianças foram engaioladas, enquadradas, encaixotadas. Algumas, literalmente. O medo do presente, do futuro, das ruas, do ar e do “não-sei-o-quê” criaram essa neura de que crianças e adolescentes precisam estar ocupados o tempo todo. Sempre estão, às vezes consigo mesmos, o que também é necessário. Verdade: a tecnologia os transforma em preguiçosos, a sociedade do futuro exige pessoas bem preparadas, as drogas estão aí prontas para dar o bote. E os pais estão fora durante o dia e presos à televisão à noite! Será que não faltam desafios reais para a vida, não apenas para a profissão? Será que uma dedicação real dos pais não faria a diferença? Ou os perigos são mais desculpas do que obstáculos?

Aprender idiomas, atividades que ajudem a definir uma vocação, estudar artes, praticar esportes, tudo isso é ótimo, necessário, até,  não para ocupar o tempo ocioso, mas porque é prazeroso e útil e faz parte do tempo, ao lado do ócio.

* Escritor de Joinville/SC


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