sábado, 30 de setembro de 2017

A magia do teatro



O teatro tem, para mim – e certamente para milhões de pessoas ao redor do mundo e ao longo do tempo – um toque de magia e de transcendência inigualáveis, que outras artes não têm. Foi, sem dúvida, o primeiro sistema de comunicação em massa criado pelo homem, na Grécia antiga, e o único a ser testado e aprovado pelo tempo. Foi através dele que heróis e vilões foram exaltados (no primeiro caso) e execrados (no segundo), se tornando mitos.

Sua riqueza maior está no fato de ter múltiplas funções simultâneas. Além de divertir, instrui, informa e induz os espectadores à reflexão. É o gerador das demais artes cênicas que lhe sucederam, como o cinema e a telenovela, sem que perdesse terreno para eles. Os três convivem, hoje, harmonicamente, mostrando a força do teatro, apesar de tantas pessoas preverem, em épocas e situações diferentes, sua extinção. Estavam, evidentemente, erradas.

Estas considerações vêm a propósito de duas peças, de naturezas distintas, que foram exibidas há muito tempo, em outubro de 1995: uma em Campinas e a outra em São Paulo. A primeira foi "Símbolo de uma Resistência", sob a direção de Benê de Moraes e Marquinhos Simplício.

Trata-se de uma apologia a Zumbi, o herói negro. Destaque-se que 1995 foi o ano do tricentenário de nascimento do mítico herói negro. O enredo da peça baseia-se em um poema magistral de Solano Trindade, infelizmente pouco conhecido. Trouxe ao público, portanto, com grande oportunidade, a qualidade de um excelente texto e a performance de atores de muita garra. Foi encenada no teatro da Vila Padre Anchieta, em Campinas. Não sei se teve outras encenações, mas presumo que sim.

A outra peça que me fez refletir, da mesma época, tinha caráter menos restritivo e mais universalista. Foi "Hombre de la Esquina Rosada", baseada em um conto do mesmo nome do escritor argentino Jorge Luís Borges. Quem conhece a obra desse mago das palavras, que elegi como meu guru literário, sabe da sua complexidade. Exemplo? Sua fixação pelos labirintos, espelhos, tigres e punhais. Seus livros não são daqueles que se possam somente correr os olhos para entender o que o autor pretendeu dizer.

É preciso penetrar em sua mente, acompanhar o seu raciocínio ágil, sonhar com ele, reinterpretar a realidade que retrata, refletir. Levar ao palco o que Borges escreveu e tornar seus textos compreensíveis a plateias heterogêneas exige competência, disciplina e criatividade. E foi isso o que o grupo portenho El Angel fez. Sua diretora, Mônica Vicao, informou que "a peça discute o pensamento borgiano pela questão metafísica do tempo, a covardia e a valentia". A apresentação fez parte, naquela oportunidade, do Quinto Festival Internacional de Artes Cênicas, levado a efeito no teatro Sesc Anchieta, em São Paulo.

Como se nota, por dois caminhos distintos, o que se discutiu foi a essência do homem e o seu comportamento face à vida. Para aceitarmos as diferenças que nossos semelhantes têm em relação a nós, é indispensável o conhecimento mútuo. Ou seja, a identificação dessas dessemelhanças e as suas razões.

O geneticista Albert Jacquard observa que "a nossa riqueza coletiva é constituída por nossa diversidade, 'o outro', indivíduo ou sociedade, é precioso para nós na medida em que é diferente de nós". Saint-Exupery escreveu a mesma coisa, só que de forma mais simples. Afirmou: "Se difiro de ti, longe de te fazer mal, torno-te maior". E torna mesmo, embora relutemos em admitir. Há milênios o teatro discute essa e tantas outras questões, num papel, sobretudo, educativo, em sentido maior, que desempenha de maneira inigualável.

Quantas lições nos foram deixadas por Ésquilo, Xenofontes, Aristófanes, Moliére, Bernard Shaw, Shakespeare, Albee, Beckett, Schiller, Calderón de la Barca, Cocteau, Gil Vicente, Gogol, Ibsen, Ionesco, Bertold Brecht e milhares e milhares de outros autores que nos legaram a essência da sua sabedoria, para que nos tornássemos um pouco mais sábios e mais hábeis no trato com nossos semelhantes!

E, principalmente, por atores e atrizes, que emprestaram suas mentes, seus corpos e suas emoções, para viverem as alheias e transmitirem princípios eternos, gerações após gerações! É esta perenidade, essa força, essa mágica transformação de um indivíduo em dez, em cem, em mil, que me fascina tanto no teatro.

Boa leitura!

O Editor.



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