quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Outonos na Praia de Piçarras


* Por Urda Alice Klueger.

(Para S. R. V. S.)

E então, no outono, a Praia se fez alegre e doce, e estava pejada do encanto do se lembrar, desde das pequenas coisas que fizeram os verões antigos das meninas que iam a Piçarras de ônibus para justificar as tardes que estavam explodindo de tanta vida naqueles tempos em que para mim, o carregar da própria vida era um fardo quase insuportável.

Teríamos nos cruzado na Petisqueira do Alírio nas noites em que eu conversava com meu grande amigo, o poeta Marcos Konder Reis, noites em que princesinhas dançavam? É possível, não se sabe. Princesas têm prerrogativas únicas; podem bailar de forma invisível no entorno da gente sem que se pressinta – mas penso que o coração deveria ter sentido, este coração que às vezes pode ser tão cego e que só sabe que amar nunca é demasiado e que no amor cabem os laços e os diversos fios de uma meada, porque o amor é muito maior que qualquer amplidão que alcancem os braços e pode abarcar o futuro, o passado e o presente, porque para o amor não há tempo e nem espaço e nem limites.

Então, na alegria da praia no outono havia uma manta de crochê especialmente feita para defender princesas do vento frio, e tanto a pensar, a lembrar e a sentir, e a mim era muito difícil entender que o tempo havia passado e que pequenas libélulas douradas haviam crescido e já não tinham os cabelos de seda voando ao vento de um fusca que fugiu pelo tempo afora, mas os cabelos eram dourados e persistiam na alegria da praia, e havia um cachorro que buscava migalhas do piquenique e as enterrava na areia próxima, e a tarde se desvanecia em crepúsculo, e praias como aquela, com capins e moitas e rio escondem mistérios de vida em forma de pios e ninhos e filhotes que só se fazem notar quando a noite está caindo e que nos dão a dimensão do grande encanto que é o universo. E uma ternura trêmula e imensa pairava ali na praia onde os passarinhos se preparavam para dormir, e o outono era encantado pela princesinha de manta de crochê, bem como são as princesas, pois elas podem espargir chuvas de miúdas pérolas com seus dedos de nácar e fazer brilhar como cristal olhos que por muito tempo tiveram apenas tristeza, e tudo podem com o poder que o amor lhes dá, e a mim me dava toda uma redenção naquele piquenique de loucinhas azuis, torta de nata, queijinhos e azeitonas.

O sol que se punha dourava os prédios distantes, lá na outra praia, e a vida podia parar naquele momento, de tão perfeito que era, pois além de tudo o mais, no trapiche perto do rio havia a imagem de um homem de cabelos de fino cobre que ali pescara fazia muito, muito tempo, quando as meninas eram pequenas e que me beijara um dia, antes daquelas férias já quase esquecidas no túnel do tempo.

Para momento de tal densidade eu usava minha bata de flanela verde, como se fosse um dia comum, mas tinha na alma uma sinfonia que dignificava tudo. Coisas do amor, assim como já falei mais para cima.

São Paulo, 22 de agosto de 2015


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).

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