Projeto
Gemini
* Por
Urda Alice Klueger
Sempre
digo que me criei numa época maravilhosa, onde aconteceram coisas
tão fantásticas como nunca o mundo tinha visto. Essas coisas vão
desde os Beatles até o movimento hippie,
com sua quebra dos valores estabelecidos, e entre elas, sem dúvida,
uma das mais empolgantes foi a corrida espacial.
Eu
ainda não sabia ler quando me chegou a primeira informação:
o Sputnik, artefato soviético que andou entrando na
órbita da terra. O Sputnik chegou até mim através
de uma revista infantil chamada “Reizinho” – minha irmã mais
velha foi quem leu para mim a história do Reizinho às voltas com
um Sputnik que ele não entendia.
Em
seguida, houve a história da cachorra Laika, que havia entrado em
órbita terrestre. Talvez Laika tivesse viajado no próprio Sputnik,
não sei mais – o que sei é que nasceu uma ninhada de
cachorrinhos, lá em casa, e a cadelinha mais bonita recebeu o nome
de Laika. Bem empolgantes foram os meus primeiros contatos com a
corrida espacial! Só tinha que me envolver com ela!
Em
1961, quando estava no segundo ano de escola, minha professora, a
Irmã Rosária, contou-nos que um ser humano, dentro de uma nave
espacial, andara na órbita da Terra. Não sei o que as outras
crianças acharam, mas para mim foi o máximo: para uma criança que
tinha uma cachorra chamada Laika e que já prestara atenção
no Sputnik, aquilo era uma baita novidade. Se a memória
não me falha, o ser humano em questão chamava-se Iuri Gagarin.
Daí
para a paixão total pelo assunto foi um pulo, principalmente quando
os Estados Unidos entraram na corrida espacial e começou o projeto
Gemini.
Quantas
Geminis foram para o espaço? Já não sei mais, mas foram muitas.
Sei é que não perdia mais um noticiário, no rádio, de meio-dia e
de noite, para ver se havia alguma notícia nova sobre o projeto
Gemini.
As
naves espaciais Gemini sempre levavam dois ou três astronautas, e é
claro que eu também iria ser astronauta quando crescesse. A cada
nave que ia para o espaço, eu passava dias e dias o mais que podia
junto ao rádio, acompanhando todas as possíveis notícias sobre
cada astronauta, vivendo a vida deles, querendo respirar por eles.
Houve
uma viagem de uma Gemini que não deu muito certo: na hora de
reentrar na atmosfera da Terra, alguma coisa saiu errada, e a nave
não podia mais voltar. Meu Deus, o que seria dos meus maravilhosos
astronautas que eram como pessoas da minha família? Eles iriam
morrer lá em cima, quando acabasse o oxigênio – um astronauta era
alguém sagrado, não podia morrer! Ah! Como eu rezei naqueles dias,
o quanto pedia a Deus e ao meu anjo-da-guarda que ajudasse os
estadunidenses para que eles achassem uma solução, para que
salvassem os astronautas! Era indizível a minha angústia,
impossível sossegar ou dormir quando sabia que, lá no céu, em
algum lugar, alguns astronautas poderiam, dali a algumas horas, ficar
sem oxigênio e morrer!
Os
estadunidenses acabaram achando o ângulo certo para a nave reentrar
na atmosfera, e os astronautas por quem eu tanto rezara acabaram
caindo no Oceano Pacífico, e saíram da sua Gemini sorrindo para
todo o mundo. Essas imagens a gente via nas revistas, na semana
seguinte, e elas aqueciam o coração, como aqueciam!
Daí,
já perto de 1970, quando eu já era uma adolescente, mas não tinha
perdido nem um pouquinho do meu entusiasmo pela corrida espacial, uma
Gemini chegou à lua! Só fui ver as imagens televisadas anos depois
– ainda não tínhamos televisão, continuávamos com as fotos das
revistas, mas aquilo foi uma das coisas mais fantásticas que poderia
ter acontecido! É claro que depois da lua iríamos a Marte, e a
outros, outros e outros planetas. Eu me aplicava na escola para estar
bem preparada na hora de ser astronauta, mas a coisa mixou. Depois da
lua, o Projeto Gemini foi parando... parando... até que parou de
vez. Vieram outras coisas, depois, ônibus espaciais, coisas assim,
mas a magia do projeto Gemini nunca mais voltou. Acabei sendo
escritora, sem a menor chance de algum dia chegar à astronauta. Foi
uma pena! Teria sido muito mais divertido se o antigo sonho tivesse
dado certo!
Blumenau,
28 de junho de 1997.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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