Gosto por algarismos
Os
números sempre me fascinaram, não sei bem por qual razão. Aliás,
não sabia, pois não faz muito descobri o por quê. Mas isso explico
depois. Como ia dizendo, sempre tive facilidade (diria que inata)
para cifras, cálculos, contas as mais complexas e variadas. Na
escola, por exemplo, essa minha aptidão tornou-me popular entre os
colegas. Afinal, nove entre dez estudantes se queixam da matemática.
Talvez essa minha estimativa seja um tanto exagerada, mas a maioria
dos alunos não gosta mesmo de raciocinar.
O
pitoresco é que, embora tenha enveredado para profissões
caracterizadas pelo uso das letras (jornalista e, posteriormente,
escritor), quando cursava o primário eram os números que salvavam
minha média, no boletim escolar, para indisfarçável orgulho do meu
pai.
Quando
a professora colocava na lousa algum problema, por exemplo, era até
covardia. Cheguei a ser advertido em várias ocasiões por minha
afoiteza. Mal ela completava a questão, eu já estava de mão
erguida, com a solução na pontinha da língua. Isso atrapalhava a
aula, ela dizia.
Foi
um fascínio quando aprendi o conceito de frações. Calcular o
máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum tornou-se, para
mim, grande diversão. Claro que os colegas me olhavam como se eu
fosse uma aberração, um ET que eventualmente houvesse caído na
Terra. Mas essa aptidão fez com que meu cartaz com as menininhas (e
estudei com algumas lindas, lindas) fosse às nuvens, o que se tornou
vantagem sobressalente e inesperada.
E
quando fui “apresentado” à álgebra?! Foi a glória! Virou mania
para mim. Mais para a frente, já no antigo curso científico,
diverti-me com fatoração, cálculo diferencial e integral e,
sobretudo, com a trigonometria. Estranhamente, não me saí tão bem,
pelo menos não como com a álgebra, em geometria. Mas deu para o
gasto.
Quando
fazia cursinho para prestar vestibular de Medicina, cheguei a ganhar
um bom dinheiro dando aulas particulares de Matemática. Tive, então,
alunos que já estavam bem mais adiantados do que eu nos estudos, que
eram universitários, mas sempre me saí bem. Trago no meu currículo
o fato de nunca alguém que tenha aprendido comigo haver sido
reprovado. Foi aproveitamento de cem por cento.
Nessa
época, eu morava em uma república, no distrito de Barão Geraldo,
aqui em Campinas. Não tínhamos televisão em casa e, por isso, os
domingos e feriados, em que não podia por algum motivo me encontrar
com a namorada, tendiam a ser chatíssimos, principalmente quando
chovia. Sabem o que eu fazia para me distrair? Resolvia problemas
matemáticos. Tinha livros e mais livros com as questões que haviam
caído nos principais vestibulares do País. Resolvê-las tornou-se,
para mim, a coisa mais divertida do mundo. Claro que os colegas me
consideravam um “maluco de pedra”.
Professores,
parentes e amigos recomendavam-me que escolhesse alguma carreira em
que os números fossem fundamentais, como engenharia, arquitetura ou,
até mesmo, a física. Nenhuma dessas profissões, contudo, me
fascinava. Eu queria porque queria ser médico. Quando tive que
desistir da Medicina, já no segundo ano, por circunstâncias
absolutamente alheias à minha vontade, poderia ter optado por alguma
dessas atividades. Seria o mais lógico a fazer. Não optei.
Enveredei
pelo jornalismo, fui tomando gosto pela coisa e produzindo, à
margem, meus furtivos textos literários, que mantive, por muito
tempo em segredo, na gaveta, longe dos olhares (críticos e
indiscretos) alheios, até que assumi de vez o primitivo e quase
esquecido sonho de menino: ser escritor.
Como
ia dizendo no início dessas recordações, um dia desses descobri a
razão de tamanho fascínio pelos números. E quem me abriu os olhos
foi alguém dos mais ilustres (e põe ilustre nisso!). Foi ninguém
menos do que Machado de Assis.
Lendo
a série de crônicas que ele publicou em sua coluna “História de
quinze dias”, no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de
Janeiro, na datada de 1° de junho de 1876 deparei-me com este trecho
revelador: “Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas
nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um
nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros,
francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases; o algarismo não
tem frases, nem retórica”.
Eureka!
Bateu instantaneamente no cocuruto um relâmpago de compreensão! É
isso aí! Como o mais genial escritor brasileiro, também descobri
que gosto dos algarismos por eles não serem de meias medidas.
Caracterizam-se pelo rigor, pela exatidão, pela certeza. São o
oposto da vida, embora eu a encare como intrincadíssimo problema
matemático que me desafia a solucioná-la. Estou tentando.
Ademais,
gostaria que as pessoas (todas elas, inclusive eu) fossem como
Machado de Assis diz que são os algarismos: sinceros, francos,
ingênuos. São três características francamente em falta nos
relacionamentos cotidianos, não importa sua natureza, se afetivos,
profissionais, sociais etc.etc.etc. Mas isso já é querer demais,
não é mesmo?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A franqueza é a minha fraqueza, assim como a Matemática. Mal sei as quatro operações e da Trigonometria, me sobrou um macete de uma fórmula que não me tem nenhuma serventia: minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, seno a cosseno B, seno B cosseno A.
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