quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Emily


* Por Emanuel Medeiros Vieira


"A memória tem frente e fundos
Como se fosse uma casa;
Possui até mesmo um sótão
Para refugos e ratos.
E o mais profundo porão
Que um pedreiro já tenha escavado –
Há que estar atento para não ser
Por suas dimensões obsedado". (…)
EMILY DICKNSON (1830-1886)

Que tal tentar um poema sobre Emily? 
Li, reli. Li mais. Um modesto artigo? Nesse momento, um pássaro canta perto da minha janela, céu azul. Mais um dia na vida – na nossa vida, no planeta, no mundo – e eu penso em todos os criadores que foram esquecidos ou pouco lembrados em vida. Não é um poema.

Certa vez, tentei um: “Lendo Emily Dickinson”. Tentarei um breve artigo: foi somente após a morte de Emily que sua família descobriu os 1.775 poemas que compõem – lembram os estudiosos da poeta, como o escritor Ivo Bender – que traduziu(com profundo esmero) seus poemas para o português. Nunca foi publicada em vida, “a não ser em colunas literárias de jornais e, mesmo assim, rarissimamente”.

Ela manteve correspondência com um crítico chamado Thomas W. Higginson, para o qual a poeta pediu avaliação do seu trabalho. Ele foi o seu primeiro editor, mas não gostou da escrita de Emily. Ao publicar a sua primeira antologia, Higginson “corrigiu” os poemas.

Já em meados do século XX, “os estudiosos da obra de Dickinson empenharam-se na busca da forma original de sua escrita”. A restauração definitiva de seus poemas deve-se a alguns destes analistas, principalmente Thomas H. Johnson.

Os temas de sua obra? É claro que não é o assunto em si que importa, mas a maneira de tratá-lo. Na “Tragédia Grega”, por exemplo, encontra-se tudo sobre a condição humana. Creio que amor, morte e desespero – como assinala Ivo Bender – foram
as suas principais obsessões.

Banir a mim de mim mesmo,
Tivera eu esse dom!
Inexpugnável fosse a minha fortaleza,
Ante toda audácia”. (…)

Seria preciso transcrever muitos outros versos. Mas o meu texto ficaria longo, ainda mais nos tempos de internet – da fúria, da ansiedade, da impaciência (e do dogmatismo, maniqueísmo e fundamentalismo).

Escreveu um dos maiores críticos dos tempos atuais: “À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickinson”.(Harold Bloom).

Hoje ela é considerada uma das grandes vozes da literatura norte-americana, com a estatura de um Walt Whitman (1819-1892). Emily escreveu:

Se acaso já esqueceram,
Ou estão agora esquecendo
Ou se jamais relembraram
Melhor é não saber”. (…)


(Brasília, setembro de 2017)

* Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros.



Nenhum comentário:

Postar um comentário