Só promessa...
O sucesso, que buscamos com tanta
intensidade e afã, a ponto de, não raro, sacrificarmos tanta coisa boa que
poderíamos usufruir, quando obtido, às vezes, pode significar um grande mal e
não o bem que pretendíamos. Corremos o risco da acomodação, fatal para as
nossas pretensões. Se não nos impusermos novos objetivos, estaremos nos
arriscando a nos transformar em “mortos vivos”, em pessoas que vivem apenas por
viver, sem sonhos, metas, conquistas ou fracassos que, se bem-administrados,
têm lá o seu caráter didático..
O dramaturgo irlandês George Bernard
Shaw escreveu a esse respeito: “Temo o sucesso. Ser bem-sucedido é ter
terminado nossos assuntos na terra, como o macho da aranha, que é morto pela
fêmea no momento em que foi bem-sucedido em seu namoro. Gosto de um estado de
contínuo vir a ser, como um objetivo à frente e não atrás”. Muita gente, porém,
leva (mesmo sem conhecer a citação do eminente ganhador do Nobel de Literatura
de 1925) isso longe demais.
A única meta, que de tão grandiosa não
conseguirá jamais ser alcançada, é a de amar sem-limites, tanto os que mereçam,
quanto (e principalmente) os que não sejam merecedores do nosso amor. O
resto... Bem, o resto não é mais do que fumaça. Não passa de meras ilusões.
Ademais, não basta nos limitarmos a ter objetivos. Temos que nos empenhar ao
máximo para que eles se concretizem (desde que factíveis, é claro).
Carlos Pantaleão (obviamente, este é um
nome fictício, embora o personagem seja real) dizia para todos que era escritor.
Todavia, nunca havia escrito um só livro. Apregoava, aos quatro ventos, que
estava trabalhando num romance e até resumia o seu enredo. Mas... escrever
mesmo, que é bom... nada! É verdade que havia publicado alguns artigos e
algumas crônicas até que razoáveis no jornalzinho do bairro em que ambos residíamos.
Achava que isso o credenciava a se
considerar um novo Fernando Sabino, ou, quem sabe, um Rubem Braga campineiro.
Exagero, claro. Não que não tivesse talento, longe disso. O que não tinha era
autodisciplina, garra e, em suma, vontade. Pudera! Contava com alguém para
bancar os seus caprichos. Ou, melhor dizendo, sua malandragem.
Carlos não trabalhava há muito tempo. Estava
desempregado há uns cinco anos e vivia às custas de Elza, sua mulher, vendedora
em uma loja de sapatos da cidade, que fazia das tripas coração para manter a
casa. Nosso projeto de escritor passava dias e dias num bar, a pretexto de “observar
personagens” para seu propalado romance. Apesar de se tratar de desculpa
visivelmente esfarrapada, sua dócil e crédula esposa acreditava nele.
Passados, porém, três anos que o
conheci, não havia escrito uma só linha do tal livro. Certamente, jamais iria
escrever. Reitero que não lhe faltava talento. Vivia se exibindo, como um
prestidigitador das letras, no bar, compondo versos e mais versos, em papel de
embrulhar pão (que o dono do boteco lhe dava), em troca de uma dose de bebida.
Estava sempre duro, já que a mulher não
tinha como manter, simultaneamente, a casa e ainda, por cima, custear a sua
malandragem (que ela, frise-se, não encarava dessa forma). Mas não faltava quem
lhe pagasse alguma generosa dose de conhaque (e ele fazia questão de pedir
sempre o mais caro), em troca de suas poesias. Li alguns versos seus e achei-os
muito bons. Carlos, porém, não fazia questão sequer de os guardar. Esbanjava
talento e tempo, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Elza chegou ao cúmulo de cortar
relações com várias amigas (inclusive com minha mulher), que tentavam alertá-la
sobre a malandragem do marido. Ficava furiosa com quem sequer insinuasse que
estava sendo ingênua e se deixando enganar por um sujeito de muita lábia, mas
de pouco, ou nenhum caráter. Confiava cegamente no seu homem e estava
convencida que seu sacrifício era um investimento no futuro, uma necessária
contribuição para o sucesso do “trabalho” do amor de sua vida. Num bar?!!! Ora,
ora, ora, querida Amélia!!! É surpreendente que, em pleno século XXI, ainda
existam mulheres como ela!
Há tempos que não encontro com Carlos e
que nem passo pelo boteco onde essa “promessa de escritor” dá a entender que seja
a sua “redação”, no qual (garantia) faria “laboratório” para produzir seu
best-seller. Não ficarei, porém, nada surpreso se, a esta altura, estiver na
rua da amargura, sem o respaldo de Elza. Afinal, até ingenuidade (ou seria
burrice mesmo?), quando em demasia, um dia cansa. Não sei se Carlos conhece a
observação de Shaw, sobre o lado nocivo do sucesso (creio que não conheça).
Mas, se conhecer, está levando longe demais esse belo pretexto para a sua,
digamos, vagabundagem explícita.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ah, o bon vivant!
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