Insigne alquimista
O tempo é implacável e não perdoa
ninguém. Desgasta-nos, nos exaure e nos transforma. Por isso, devemos viver
cada fase da nossa vida, principalmente a da infância, com máxima intensidade e
vigor.
É certo que nem sempre os anos nos
tornam piores, pelo menos do ponto de vista mental ou moral. Isso vai depender
de nós, da nossa postura face ao mundo. Tanto podem nos tornar humildes,
conhecedores das nossas reais possibilidades, sem manias de grandeza e sem
ilusões, quanto fazer com que nos tornemos amargos e descrentes.
Está em nossas mãos fazer dos nossos
últimos dias ou um período de satisfações e felicidade, ou uma fase de
amarguras e frustrações. Qual o tipo de
semente que estamos cultivando em nossos corações? O da humildade, ou o do
cinismo e do ceticismo? Pois é, o tempo transforma, profundamente, tudo e todos
e, principalmente, os que escolhem caminhos errados e desperdiçam estupidamente
suas vidas.
O arrogante, por exemplo, ao cabo dos
anos, faz-se humilde, ao se dar conta que não é tão importante quanto julgava.
O mundo se encarrega de derrubar sua crista. O idealista torna-se cínico quando
percebe quão pífio e vazio era seu ideal. Pode-se enganar os outros, mas jamais
a nós mesmos. E o crente, que abraçou crença errada, passa a descrer de tudo e
de todos e se transforma em empedernido céptico.
Há crenças que são nitidamente meras
superstições. Daí a importância de valores adequados e metas factíveis para
nossas vidas. Compete-nos valorizar adequadamente o que de fato é importante e
descartar o inócuo, o fútil e o desnecessário. A atitude mais inteligente é
sermos humildes sem nos humilharmos; idealistas, mas com os pés no chão e
crentes no racional e transcendental.
O homem, sem que o perceba ou se dê
conta, morre a cada dia para em seguida renascer. Acusam-me não raro de ser
repetitivo a esse propósito. Dizem que escrevo sempre as mesmas coisas a
propósito do tempo e quase com as mesmíssimas palavras. Faço e farei inúmeras
vezes isso de propósito. Afinal, o que é a vida (minha e dos outros) se não
monótona variação em torno do mesmo tema?
Todavia, se atentarmos bem, veremos que
não é tão mitológico assim o mito da fênix, aquela ave egípcia que renasceria
de suas próprias cinzas. A cada dia, somos os mesmos e no entanto somos um
outro. É como minhas reflexões sobre o tempo: parecem as mesmas, no entanto são
bastante diversas.
Quanto ao nosso renascimento diário,
enfatizamos que todas as células do organismo, seja de que tecido forem, se
"autocopiam", através da reprodução, passando para as sucessoras
todas as informações de que dispunham. A cada manhã, portanto, somos pessoas
renovadas, inclusive do ponto de vista físico. Em termos mentais, nem se diga.
Mudamos a cada instante. E infeliz
daquele que não muda nunca, que se aferra a dogmas, a comportamentos superados
pelo tempo, a maneiras arcaicas de pensar e de agir. Ninguém, todavia,
"renasce" das próprias cinzas com maior intensidade e força do que o
artista e, mais ainda, do que o poeta. Por isso, ele é tão especial e mágico.
Somos, todos, seres múltiplos,
mutantes, diferentes hoje do que éramos ontem, e não somente no aspecto físico,
reitero, dado o envelhecimento, mas, sobretudo, no plano mental. De cada pessoa
com que nos relacionamos, absorvemos alguma coisa: idéias, hábitos,
comportamentos, não importa o quê. E quanto maior for o nosso círculo de
relacionamentos, mais mudamos, mais diferentes nos tornamos, sem que sequer nos
apercebamos dessas mudanças.
Por falar em poeta, este tem o condão
de, com o seu talento, transformar a coisa mais trivial e o tema mais sem
sabor, em obras-primas de encantamento e beleza. Faz com que reles pedras
comuns, que atravancam nosso caminho, se tornem diamantes preciosos, jóias
raras, enormes pepitas de ouro.
É um mago que tem o poder de
“reinventar a vida” com a sua sensibilidade e sua capacidade de enxergar beleza
onde os outros não a vêem, nos induzindo a sonhar e nos indicando, com
delicadeza, a rota de um paraíso de luz.
Um dia, tudo e todos haverão de se
transformar de vez. É a lei da natureza. É a ação desse que foi denominado por
Machado de Assis (no conto “Eterno”) de “insigne alquimista”. E o Bruxo do
Cosme Velho justifica porque considera o tempo assim: “Dá-se-lhe um punhado de
lodo, ele o restitui em diamantes, quando menos, em cascalhos”.
É verdade que essa transformação não
pára por aí. O “insigne alquimista” toma em suas mãos os diamantes que criou e,
a despeito da sua dureza, os reduz, um dia, a pó. Faz, claro, a mesmíssima
coisa, e com maior facilidade ainda, com o cascalho.
Um dia, todos passaremos por essa
transformação definitiva, quando voltarmos ao solo de que fomos forjados. Mas
quando esse momento chegar, quando o “insigne alquimista” voltar a nos
transformar, que estejamos com o coração sossegado, cientes de que fomos úteis,
deixamos obras, semeamos idéias e valores que um dia haverão de brotar e se
transformar em frutos, quando estivermos dispersos nos campos, águas e ar e não
formos mais que lembranças.
Fernando Pessoa escreve, no poema
“Sossega coração”:
“Sossega,
coração, contudo! Dorme!
O
sossego não quer razão nem causa.
Quer
só a noite plácida e enorme,
a
grande, universal, silente pausa
antes
que tudo em tudo se transforme”.
Por isso, “sossega coração
preocupado”!!!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ah, "sossega coração". Isso um dia ainda me mata.
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