quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O grande “repórter” das Olimpíadas da Antiguidade


A “imortalidade” de campeões olímpicos, mas das Olimpíadas originais, as da Grécia Antiga, devem muito (ou devem “tudo”) o fato de não terem sido completamente esquecidos e mais,  serem lembrados praticamente depois de 2500 anos de história, a um tal de Pausânias. É preciso, todavia, distinguir a qual deles me refiro. Desconfio que esse nome era extremamente comum entre os helenos, tanto na época em que ele viveu, quanto séculos antes do seu nascimento. Parece-me, o que concluo das pesquisas que realizei, que era equivalente, na Grécia Antiga, em termos de quantidade, ao que é hoje o nome José, que tem versões correspondentes em várias das principais línguas faladas no nosso tempo ao redor do mundo. Houve pelo menos quatro Pausânias “famosos”, entre os provavelmente milhares que seriam chamados assim.

Um deles foi um general espartano, que se tornou regente do reino rival de Atenas após a morte de Leônidas I, na famosa batalha das Termópilas (480 a.C.) – aquela em que, com apenas 400 combatentes, ele venceu volumoso pelotão do exército persa de Xerxes I, com mais de 7 mil soldados – decidindo, praticamente, a favor dos gregos, a Primeira Guerra Médica, vitória esta consumada em Maratona. Não é a este, todavia, que me refiro. Outro Pausânias célebre foi um rei de Esparta, cujo reinado foi de 409 a 395 a.C. Este, também, não tem nada a ver com o personagem a que vou me referir na sequência. Um terceiro xará histórico foi o servo de Felipe II da Macedônia, que fazia o papel simultâneo de amante desse rei, ao qual, destaque-se, assassinou, em 336 a.C.

O “nosso” Pausânias é o da Lídia, região em que nasceu e que hoje pertence ao território da Turquia. Viveu em tempo muito mais recente do que seus três ilustres “xarás” que citei, ou seja, no século II da nossa era, quando a Grécia já nem era mais uma potência mundial, e nem mesmo uma nação independente, mas mera colônia do Império Romano. Ainda assim, é considerado pelos estudiosos como um dos maiores, senão o maior historiador das Olimpíadas da Antiguidade. É dele, por exemplo, o relato do feito olímpico de Orsippus de Megara, aquele que foi o primeiro atleta a vencer uma corrida pedestre correndo “peladão”. Nosso Pausânias não testemunhou essa façanha. Nem poderia. Afinal, esse feito olímpico aconteceu na 15ª Olimpíada, a de 720 a.C., cerca de 900 anos antes do seu nascimento.

Muitos comparam-no a bons jornalistas esportivos da atualidade, pela meticulosidade de suas descrições, com detalhes técnicos das provas. Esse Pausânias descreveu dezenas de Olimpíadas, todas com assombrosa objetividade. O curioso é que sequer era historiador. Consagrou-se como geógrafo, cuja principal obra, constante das melhores bibliotecas atuais ao redor do mundo, foi “Descrição da Grécia”, em dez volumes. Nela abordou praticamente todos os aspectos – geográficos, políticos, econômicos, sociais, históricos, sociais e culturais – dessa magnífica civilização. E, ao contrário de outros tantos geógrafos e historiadores, detalhou, também, as Olimpíadas com meticulosidade, reitero, de se admirar.

“Comeu gato por lebre”? Provavelmente sim! Era inevitável que o fizesse. Afinal, não testemunhou a maioria das Olimpíadas. Esteve presente, só, em três ou quatro delas, se tanto. Teve que confiar, pois, nas fontes que consultou, que podem ter sido (ou não, sabe-se lá) poluídas e fantasiosas. Se foi o caso, no entanto, agiu assim com tanto talento e tamanha competência que, ao ler suas descrições, não ousamos duvidar nem mesmo de casos que em tudo parecem exagerados e fantasiosos e, portanto, inverossímeis, para não dizer mentirosos.

Sobre a alegada (tratemo-la de “suposta”) façanha do atleta “peladão”, Pausânias observou: “A minha opinião é que, em Olímpia, ele (Orsippus) intencionalmente deixou seu cinto deslizar, percebendo que um homem nu podia correr mais facilmente do que um vestido”.  Como se vê, além de “repórter”, ele exerceu o papel simultâneo de comentarista, opinando sobre os principais episódios que trouxe à baila. Quantas pessoas assistiam aos jogos em Olímpia? Suponho que o mesmo tanto de espectadores, se não menos, do que o número total de profissionais de imprensa que cobrem as Olimpíadas atuais do Rio de Janeiro. Isso as mais concorridas. Os moradores de fora da Grécia só ficavam sabendo dos resultados das competições meses, quando não anos, depois da realização de cada edição dos Jogos. Que diferença para estes nossos tempos, quando se espera um público potencial de pelo menos quatro bilhões de “testemunhas” das disputas, dada a magia da televisão.

Esse mesmo Pausânias, que “imortalizou” tantos campeões olímpicos, merece, demais, ser “imortalizado”, por não permitir que um evento esportivo de tamanha relevância caísse no esquecimento. Há outros historiadores dos Jogos, mas não conheço nenhum que tenha sido tão detalhista e talentoso quanto o nosso eclético personagem. Portanto: “honra ao mérito!”

Boa leitura!

O Editor.

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