segunda-feira, 11 de abril de 2016

Sem brevê

* Por Daniel Santos

Quando, altas horas, a casa inteira imergia no sono, ele despertava qual pirilampo que costuma levar luz ao desamparo da sombra e, então, como ainda ignorasse o que podia e o que não podia fazer, saía do berço.

De gatinhas, alcançava a cadeira junto à janela do décimo andar, subia nela e, já no parapeito, maravilhava-se com as luzes da cidade – manchas claras como as gotas de leite que lhe escapavam da mamadeira.

Tudo lhe parecia, então, possível. Embora ainda não soubesse andar, batia palminhas de contentamento e, naquele instante de liberdade, atirava-se ao espaço sem jamais lhe passar pela cabeça o risco que corria.

Não, ainda não aprendera a Lei da Gravidade que torna a todos prudentes e até medrosos. Ele não sabia de nada. Por isso, voava! Voava mesmo sem asas, pois ignorava a necessidade delas para tal expediente.

Só muito depois, voltava ao berço. Adormecia com a idéia de um dia contar tudo aos pais. Por que não voavam, em vez de andarem todo o tempo de lá para cá? Talvez, assim, a vida lhes fosse mais leve, afinal.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.





Um comentário:

  1. Ai, que medo! Pensei que ele iria se jogar no espaço. Afinal, se jogou? Voou de verdade, ou foi só um sonho?

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