A Fundação da Academia
* Por
Josué Montello
A idéia da criação de
uma Academia de Letras no Brasil, nos moldes da Academia Francesa, não teve a
inspirá-la o espírito de iniciativa daquele que seria, como seu primeiro
presidente, o principal responsável pela sobrevivência e pelo prestígio do novo
instituto.
Com efeito, não se
pode incluir Machado de Assis entre os idealizadores da Academia. Este papel
cabe, em épocas diferentes, a Medeiros e Albuquerque e a Lúcio de Mendonça.
Entretanto, pode-se afirmar, com segurança, que, sem a figura de Machado de
Assis, a idéia não se teria concretizado.
As origens da Academia
Francesa, no dizer de Voltaire, não foram de ordem intelectual e sim de ordem
cordial, como um círculo de bons amigos. Os requisitos de ordem intelectual
vieram depois, no aprimoramento gradativo da corporação, sem que esta perdesse,
no entanto, na escolha de seus novos membros, o sentido da cordialidade que
inspirou a formação do pequeno cenáculo em casa de Valentin Conrart.
Nossa Academia, bem
examinada nas suas origens, constituiu-se também sob a inspiração da afinidade
de sentimentos. Não constituíra exagero afirmar que sob certos aspectos, no que
concerne às suas raízes, ela decorre mais da geração boêmia que fez a Abolição
do que do grupo de altos espíritos que moldou a consolidação legislativa de
seus estatutos.
Graça Aranha,
testemunha do nascimento da Academia, disse que ela, "oriunda de um pacto
entre espíritos amigos, hauriu nesta inspiração original a força intrínseca de
que se mantém, e se vai transmitindo às gerações que se sucedem".
Ao contrário do que
ocorre na Academia Francesa, sempre pendente de algumas vontades firmes que
orientam as deliberações do instituto, nossa Academia habituou-se a prescindir
dessas vontades individuais, que não se compaginam com as tradições da Casa.
Há ali quarenta
companheiros, comumente identificados no gosto das boas letras, sem chefes de
grupos nem líderes evidentes.
Ninguém comandou
jamais, de modo ostensivo e pessoal, os destinos da Academia Brasileira. Não
houve um tempo em que, na Academia Francesa o gênio de d'Alembert, assistido
por Madame de Lespinasse, exerceu influência tirânica sobre os companheiros? E
Voltaire, com toda a universalidade de seu gênio, não se viu compelido a
abrigar-se sob a proteção de Madame de Pompadour, para eleger-se acadêmico? E
não é verdade, ainda, que, desde os tempos de Richelieu, só se pode ser
acadêmico, na França, andando em boas graças oficiais? Não foi assim com La
Fontaine? Não foi assim com Chateaubriand? E não foi assim, ainda recentemente,
com Paul Morand, cuja condição de antigo colaboracionista lhe cerrou por largo
tempo a porta da Academia?
A Academia Brasileira,
nesse, e ainda em outros pontos, divergiu de seu figurino, a começar pela
autonomia das deliberações do instituto.
Só uma influência
decisiva se observa no curso de sua evolução: a de Machado de Assis. Influência
habilíssima, mais sugestão que ordem, menos determinação que alvitre. Depois
dele, ninguém mais desempenhou esse papel de líder, a não ser, de relance, um
de seus herdeiros diretos no plano da vida acadêmica: Mário de Alencar.
Na fase inicial da
Academia, a geração boêmia plasmou a amizade que uniu a maior parte dos
companheiros. Coelho Neto, Bilac, Araripe Júnior, Patrocínio, Murat, Valentim
Magalhães, Aluísio e Artur Azevedo, Guimarães Passos, Raimundo Correia, Alberto
de Oliveira, Medeiros e Albuquerque, Pedro Rabelo e Filinto de Almeida
pertenceram à plêiade de espíritos desprendidos e joviais que a afeição
aproximou, antes da identificação definitiva na cordialidade da Academia.
Machado de Assis, José
Veríssimo, Joaquim Nabuco, Lúcio de Mendonça, Rodrigo Otávio e Inglês de Sousa
- para lembrar apenas os que mais se destacaram em realizar o pensamento comum
- trouxeram à idéia da corporação literária a porção de austeridade e a
constância de propósitos com que se consolidam as instituições de sua espécie.
Mesmo no caso deste
grupo, foi a amizade que uniu e identificou seus componentes, no período que
imediatamente precede a criação da Academia. Basta lembrar a importância, para
essa criação, dos jantares promovidos pela Revista Brasileira, ao tempo em que
José Veríssimo a dirigiu.
(O presidente Machado
de Assis, 1961. 2ª ed., 1986.)
*
Jornalista, professor, teatrólogo e escritor, membro da Academia Brasileira de
Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário