sexta-feira, 29 de abril de 2016

A fábula das certezas


* Por Rodrigo Ramazzini


Diálogo entre a Dúvida e a Certeza.

- Por que essa cara, hein?
- Nada! Por quê?
- Como nada? Está parecendo mais eu do que tu mesma...
- Pára com isso, Dúvida!
- Mas é verdade, Certeza! Esse teu aspecto de espanto não te é peculiar...
- Não é nada, não!
- Vamos! Desabafe...
- Não é nada mesmo!
- Não vem com essa para cima de mim! Eu te conheço... Somos parceiras há quantos anos, esqueceste? Vai fazer cena logo comigo!
- Não é nada, não!
- Como não é nada? Se tu assumiste a minha aparência. Estamos idênticas! Olhe-te no espelho... Parecemos irmãs gêmeas!
- Exagero de tua parte, Dúvida!
- Não é não! Tu estás irreconhecível! Pálida...
- É que...
- Cadê aquele ar de decidida, forte, cheia de energia, hein? Que quando eu habitava a consciência da Clarinha chegou e disse a ela cheia de convicção: “se eu fosse tu, terminava o casamento com o Rui!” E destilou argumentos... Cadê?
-É que agora...
- Tem o caso da Soninha, lembras? Ela não sabia o que fazer. Eu havia tomado-te completamente. Foi bonito de ver! Tu chegando e com um ar celestial proferiste cada sílaba como se fosse uma sentença final: “faça medicina, tem mais a ver com tua personalidade!”
- Mas agora é diferente...
- Diferente foi o caso da Célia, recordas? Eu e o medo nos juntamos. Que dupla infernal! Foi aqui que virei teu fã de vez. A mulher com um câncer em estágio avançado, todo mundo temendo por sua vida, menos quem, hein? Olha quem: Tu! Que com coragem entraste naquele cérebro e a fizeste acreditar que conseguiria vencer essa doença terrível. Meses depois do tratamento a mulher estava completamente curada!
- É que desta vez...
- Não adianta negar: tu és demais mesmo! Sou tua fã número um!
- É que...
- Então, depois de tudo isso, por que essa cara? O que foi agora?
- Questões sem respostas! É isso...
- O que estás me dizendo?
- O que ouviste...
- Estás... Estás em dúvida?
- Isso mesmo!
- Mas por quê? Meu Deus!
- Todas as convicções perdem os sentidos...
- Mas tu és a Certeza, ora bolas!
- Quando os problemas e as respostas são para os outros sou mesmo!
- Mas e agora?
- Agora sou eu que preciso de uma resposta. Nestas horas, não há certeza que não se questione e vire dúvida...

* Jornalista e contista gaúcho.



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