Elefante da sorte
* Por
Marcelo Sguassábia
- Senhor Alcindo,
comecemos do começo. Consta dos autos que o senhor iniciou sua vida
profissional como coletador de excrementos de elefantes. Confere?
- Isso mesmo,
autoridade. Ganhava quase nada e trabalhava feito um condenado. Até que uma
elefanta deu cria e eu fiquei com o filhote. Quando o filhote cresceu...
- Em que lugar o
senhor criava esse filhote?
- Numa chácara de um
amigo do meu pai.
- Pode nos dizer o
nome dele?
- Usando o direito que
a lei me garante, permanecerei calado. Desculpe, autoridade, o nome do dono eu
não lembro mesmo... Mas, continuando. Quando o filhote cresceu, eu tive a ideia
de ir pra rua com ele e levar as pessoas para dar voltas de elefante. Foi um
sucesso extraordinário! Dez reais por cabeça, chegava a levar oito em cada voltinha
de dois minutos.
- Deixa ver, fazendo
aqui um cálculo aproximado, e chegamos à conclusão de que, mesmo se o senhor
levasse a população inteira do país para dar voltinhas de elefante durante 3
séculos, ainda assim não conseguiria acumular nem 1% da fortuna que possui.
- Eu posso explicar,
autoridade. Os passeios no lombo do elefante foram o começo de tudo. Enquanto
ganhava dinheiro com isso, comecei a pesquisar os dejetos do bicho em nível
laboratorial, e desenvolvi a formulação do superesterco. Uma invenção minha,
capaz de aumentar a produtividade agrícola em 250%.
- Não diga? Que
peculiar.
- Depois que a fórmula
do superesterco estava pronta, fui procurado por uma grande empresa
multinacional... Como é que era o nome mesmo? Algo parecido com Meu Santo, Seu
Santo, sei lá, qualquer coisa assim.
- Prossiga, Sr.
Alcindo.
- Então. Um grupo de
executivos da matriz dessa corporação começou a me assediar, oferecendo um
basculante de dólares para que eu vendesse pra tal da Monte Santo a patente do
gigaesterco.
- O senhor mencionou
há pouco que era super, e não giga.
- Tanto faz,
autoridade, aquela merda não tinha nome ainda. E não tem até hoje, porque o
fertilizante está em fase de testes.
- Onde?
- Em um laboratório na
Groenlândia e também em uma fazenda de um primo-irmão do tio de um compadre do
meu pai. Eles perceberam que a minha invenção tinha potencial para exterminar a
fome no mundo em questão de semanas.
- Entendo. Mais uma
vez, um providencial amigo do seu pai aparece na história para ajudá-lo, é
isso? E essa fazenda fica perto da chácara do outro amigo do seu pai, onde o
senhor criou o primeiro elefante?
- Como é que o senhor
sabe?
- Dedução. Vá em
frente.
- Bom, aí eu vendi a
patente e entrou na minha conta uma grana mais preta que o estrume da minha
manada inteira.
- Presumo que o senhor
Alcindo poderá nos dizer onde se encontram os documentos dessa transação e os
recibos do imposto recolhido...
- Usando o direito que
a lei me garante, permanecerei calado.
- Certo, faça de conta
que não lhe fiz essa pergunta. Continue narrando sua saga empreendedora.
- A autoridade sabe
que dinheiro faz dinheiro. Foi quando, em sociedade com um outro amigo do meu
pai, e usando os recursos da venda mundial da patente, eu comecei no ramo da
exportação de marfim.
- Conte-nos mais sobre
isso.
- Ao mesmo tempo em
que produzia as fezes, 100% compradas pela Seu Santo, também extraía o marfim
dos bichos, embarcados quinzenalmente para Hong Kong. Eram centenas de
toneladas em cada remessa.
- Mostre-nos as guias
da Cacex e as autorizações aduaneiras.
- Usando o direito que
a lei me garante, permanecerei calado.
- Eu não pedi que o
senhor fale nada. Apenas coloque sobre minha mesa os papéis solicitados.
- Usando o direito que
a lei me garante, não vou pôr nada na sua mesa, não senhor. Só digo para o
senhor que, a partir das minhas experiências na química das fezes elefantinas,
eu criei uma modificação nos códigos genéticos dos animais para que eles passassem
a ter uma média de 94 dentições de marfim ao longo da vida. Foi essa minha
expertise que me deixou milionário, autoridade.
- Não há dúvida que
sua ainda curta biografia é mesmo uma estonteante trajetória de sucesso. Um
exemplo pra esse povo que tanto reclama da vida, não é mesmo? Parabéns. Está
dispensado, por enquanto.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Gostei de "fezes elefantinas". Qualquer semelhança com personagens reais terá sido mera coincidência.
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