quarta-feira, 27 de abril de 2016

A moça da flor nos cabelos

* Por Alberto Cohen


Foi surpreendido pela moça sorridente e com uma flor nos cabelos que lhe deu bom-dia. Apenas bom-dia, um sorriso, e seguiu seu caminho.

Apanhado de surpresa quedou-se estático, sem responder nada, nenhuma palavra, apenas acompanhou-a com os olhos até que dobrasse a esquina.

Acordara cedo, pois aquele era o dia de receber o salário de aposentado. Contas a pagar, umas comprinhas no supermercado, tudo medido e pesado para esticar o dinheiro ao máximo, se possível pelos trinta dias vindouros.

No elevador passara a recapitular o inventário cada vez mais rotineiro de sua vida: a faculdade, a ambição de vencer, o concurso público em que fora aprovado, a carreira tépida, um casamento, outro, depois nenhum, e os dias escorregando rapidamente de suas reservas de tempo. A sensação de estéril e sem sentido adjetivando as lembranças de um passado sem poesia e um presente sem sonhos. Nada a reclamar. Ele mesmo, com desatenção e fantasmas interiores, construíra o habitat de inércia e solidão em que agora vivia.

Nem sempre fora assim. Quando adolescente tivera a pretensão de tornar-se escritor, talvez poeta, e, também, de viver um grande amor, igual aos descritos nos livros românticos que eram sua leitura preferida. O diverso ocorrera, as tórridas paixões transformaram-se em icebergs de descaso e intimidades quase promíscuas, os sorrisos em resmungos e a cumplicidade em confronto.

Agora estava ali, absurdamente perplexo e comovido com uma coisa que devia ser tão simples e casual. Percebeu então que, no subconsciente, sempre havia esperado por aquela cena: A moça sorridente, com uma flor nos cabelos, chegando e dizendo-lhe bom-dia, por todos os dias de sua vida.

* Poeta paraense.


  

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