A moça da flor nos cabelos
* Por
Alberto Cohen
Foi surpreendido pela
moça sorridente e com uma flor nos cabelos que lhe deu bom-dia. Apenas bom-dia,
um sorriso, e seguiu seu caminho.
Apanhado de surpresa
quedou-se estático, sem responder nada, nenhuma palavra, apenas acompanhou-a
com os olhos até que dobrasse a esquina.
Acordara cedo, pois
aquele era o dia de receber o salário de aposentado. Contas a pagar, umas
comprinhas no supermercado, tudo medido e pesado para esticar o dinheiro ao
máximo, se possível pelos trinta dias vindouros.
No elevador passara a
recapitular o inventário cada vez mais rotineiro de sua vida: a faculdade, a
ambição de vencer, o concurso público em que fora aprovado, a carreira tépida,
um casamento, outro, depois nenhum, e os dias escorregando rapidamente de suas
reservas de tempo. A sensação de estéril e sem sentido adjetivando as
lembranças de um passado sem poesia e um presente sem sonhos. Nada a reclamar.
Ele mesmo, com desatenção e fantasmas interiores, construíra o habitat de
inércia e solidão em que agora vivia.
Nem sempre fora assim.
Quando adolescente tivera a pretensão de tornar-se escritor, talvez poeta, e,
também, de viver um grande amor, igual aos descritos nos livros românticos que
eram sua leitura preferida. O diverso ocorrera, as tórridas paixões
transformaram-se em icebergs de descaso e intimidades quase promíscuas, os
sorrisos em resmungos e a cumplicidade em confronto.
Agora estava ali,
absurdamente perplexo e comovido com uma coisa que devia ser tão simples e
casual. Percebeu então que, no subconsciente, sempre havia esperado por aquela
cena: A moça sorridente, com uma flor nos cabelos, chegando e dizendo-lhe
bom-dia, por todos os dias de sua vida.
*
Poeta paraense.
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