domingo, 10 de abril de 2016

Certas canções


* Por Marcos Alves



O título é de uma música do Milton Nascimento, e pego emprestado para falar do prazer de ouvir canções que tocam o coração e a alma da gente. Milton é grande, e fez falta no show chamado “Tributo ao Clube da Esquina”, dias 8 e 9 de dezembro, em Belo Horizonte. Outra ausência sentida foi a de Lô Borges, que também fez parte da geração talentosa que nos anos 60 e 70 produziu músicas que mais tarde se tornaram clássicos da MPB.

Belas melodias e letras fortes como "Fé cega, faca amolada", de Milton e Fernando Brant, "Um girassol da cor do seu cabelo", dos irmãos Lô e Márcio Borges, "Manuel, o audaz" de Toninho Horta e Fernando Brant e "Feira  Moderna" de Beto Guedes, Lô e – de novo, Fernando Brant influenciaram gerações de músicos e não-músicos, primeiro em Minas e depois no Brasil inteiro. Hoje, despertam interesse mundo afora. 

Faz 35 anos, desde o lançamento do LP homônimo que deu fama e nome a esse que é considerado um movimento musical de grande importância para a música brasileira. Muito se escreveu e ainda se escreve sobre o assunto – agora mesmo várias publicações estão sendo lançadas, mas uma referência excelente é o livro de Márcio Borges: "Os sonhos não envelhecem. Histórias do Clube da Esquina". Compositor e irmão de Lô, ele foi um dos "culpados" dessa história que começou na Belo Horizonte dos anos 60. Jovens amantes do jazz, da bossa nova e do rock, que se reuniam para tocar e trocar impressões sobre o mundo. Dessas reuniões resultaram ótimos trabalhos e as músicas que (quase) todo mundo conhece.  

O "Tributo ao Clube da Esquina" promoveu encontros, reencontros e algumas surpresas e improvisos. De Três Pontas – terra de Milton – embora por um acidente ele tenha nascido no Rio de Janeiro, veio o grupo Ânima. Filhos, sobrinhos e agregados dos homenageados também passaram pelo palco. Márcio Borges, um dos "fundadores" do Clube da Esquina, fez as honras da casa. O começo festivo gerou a leve desconfiança de quem, como eu, foi até lá para ver e ouvir os clássicos na voz dos próprios autores. Felizmente era questão de tempo.

Bastou Toninho Horta dedilhar os primeiros acordes de "Manuel, o audaz" para ganhar de vez a cumplicidade da platéia. Mãos levantadas, a letra na ponta da língua. Um clima de leveza tomou conta do Espaço Funarte – Casa do Conde, no centro da capital mineira. A certa altura, o poeta Murilo Antunes – outro membro do clube, leu um texto que falava da cidade, do poder da música e da amizade. A tradução perfeita do que acontecia ali naquele momento.

No final, Beto Guedes emocionou e recebeu de volta do público um carinho especial. É um desses compositores de estilo inconfundível. Sempre esteve acima da média, mas anda sumido da mídia e dos palcos, por isso era importante vê-lo. Cumprimentou o público com a timidez habitual e depois, com a elegância de sempre, esbanjou categoria com a guitarra. Como músico que é, regeu a banda e fez a festa junto com os parceiros. Estava à vontade, literalmente em casa. O repertório de clássicos arrebatou a platéia: “Feira moderna”, “Amor de índio”, “Sol de Primavera" – um presente de fim de ano. Beto é um compositor talentosíssimo e um músico de primeira também. Robertinho Silva, baterista e companheiro de longa data, foi reverenciá-lo ao final da apresentação.

Valeu participar dessa celebração, em que compareceram ou estavam confirmados Flavio Venturini, Luiz Alves, Márcio Borges, Marcus Vianna, Beto Guedes, Murilo Antunes, Nelson Ângelo, Nivaldo Ornelas, Paulinho Carvalho, Tavinho Moura, Wagner Tiso. Fernando Brant, Fredera, Márcio Borges, Tavito, Telo Borges, Toninho Horta e Túlio Mourão. Um timaço para lembrar o movimento que nasceu junto com o LP Clube da Esquina, lançado em 1972. 

Fazendo o som que embalou nossas festinhas regadas a vinho tinto vagabundo! Dá saudade das capas dos discos de vinil! Discussões intermináveis sobre quem era melhor: Milton, Lô Borges ou Beto Guedes? Não faz diferença, viva os três e os demais integrantes do Clube da Esquina. Afinal, assim como os sonhos certas canções não envelhecem.

"Certa emoção me alcança
 corta minha alma sem dor
 certas canções me chegam
 como se fosse o amor"
                                                   Milton Nascimento


·        Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.


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