terça-feira, 12 de abril de 2016

Bonecas


* Por Alberto Cohen


Eram três irmãs, de família rica. Foram preservadas de tudo, do bem e do mal, pelos pais que as amavam de forma desvairada e doentia. Jamais viveram, apenas sonharam, leram muito a literatura que as moças daquele tempo podiam ler e incorporaram personagens do Império.

Quando as conheci, eu devia ter meus oito, nove anos e elas beiravam já a casa dos sessenta, sem terem tido um único namorado. Moravam sozinhas num bairro nobre aqui da Cidade. Seus pais haviam falecido, deixando-as donas de uma fortuna, sem saberem, no entanto, o que fazer com ela.

Lembro-me, como se fosse hoje, das três, juntas, num janelão da casa, vestidas como damas antigas, extremamente maquiladas e, por incrível que pareça, usando perucas de cachos ruivos, louros ou castanhos. Não davam a menor atenção às pessoas que passavam, como se as três se bastassem e habitassem a torre de um castelo mágico, numa outra dimensão, delas e somente delas.

Jamais iam à rua, pois tinham amas para servi-las em tudo. A janela era seu hábitat, como se posassem, diariamente, para um quadro que nunca seria terminado. O povo chamava-as de "as três Bonecas" e, maldosamente, identificava-as como Peste, Fome e Guerra, no entanto jamais que elas ouvissem, pois de certa forma mística eram respeitadas.

Conforme fui crescendo, foram desaparecendo do janelão, até ficar somente uma, a loura, naquela vigília diária.

Certo dia, nem mesmo a loura, para quem fiz um poema, apareceu. A casa foi fechada e nunca mais se ouviu falar das Bonecas. Ainda fizeram parte do folclore, durante algum tempo, mas, depois, caíram no esquecimento e, hoje, só os de gerações mais antigas ainda lembram delas.

Na minha imaginação e no meu romantismo elas eram, de fato, princesas vítimas de algum feitiço, mas que um dia desencantariam. Quem sabe, não desencantaram e vivem em algum outro lugar, na torre do seu castelo e no meio dos seus sonhos?

* Poeta e cronista paraense


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