Bonecas
* Por
Alberto Cohen
Eram três irmãs, de
família rica. Foram preservadas de tudo, do bem e do mal, pelos pais que as
amavam de forma desvairada e doentia. Jamais viveram, apenas sonharam, leram
muito a literatura que as moças daquele tempo podiam ler e incorporaram
personagens do Império.
Quando as conheci, eu
devia ter meus oito, nove anos e elas beiravam já a casa dos sessenta, sem
terem tido um único namorado. Moravam sozinhas num bairro nobre aqui da Cidade.
Seus pais haviam falecido, deixando-as donas de uma fortuna, sem saberem, no
entanto, o que fazer com ela.
Lembro-me, como se
fosse hoje, das três, juntas, num janelão da casa, vestidas como damas antigas,
extremamente maquiladas e, por incrível que pareça, usando perucas de cachos
ruivos, louros ou castanhos. Não davam a menor atenção às pessoas que passavam,
como se as três se bastassem e habitassem a torre de um castelo mágico, numa
outra dimensão, delas e somente delas.
Jamais iam à rua, pois
tinham amas para servi-las em tudo. A janela era seu hábitat, como se posassem,
diariamente, para um quadro que nunca seria terminado. O povo chamava-as de
"as três Bonecas" e, maldosamente, identificava-as como Peste, Fome e
Guerra, no entanto jamais que elas ouvissem, pois de certa forma mística eram
respeitadas.
Conforme fui
crescendo, foram desaparecendo do janelão, até ficar somente uma, a loura,
naquela vigília diária.
Certo dia, nem mesmo a
loura, para quem fiz um poema, apareceu. A casa foi fechada e nunca mais se
ouviu falar das Bonecas. Ainda fizeram parte do folclore, durante algum tempo,
mas, depois, caíram no esquecimento e, hoje, só os de gerações mais antigas
ainda lembram delas.
Na minha imaginação e
no meu romantismo elas eram, de fato, princesas vítimas de algum feitiço, mas
que um dia desencantariam. Quem sabe, não desencantaram e vivem em algum outro
lugar, na torre do seu castelo e no meio dos seus sonhos?
*
Poeta e cronista paraense
Nenhum comentário:
Postar um comentário