quarta-feira, 6 de abril de 2016

A condição feminina (ainda?)


* Por Mara Narciso


Peguem suas pedras e comecem a atirá-las. Pouco me importo com o julgamento de vocês. Prefiro que gostem de mim, que concordem comigo, mas não ligo se não gostam, se discordam, se acham que falo disparates. Quem lê essa opinião, pensa logo: feia, mal amada, abandonada, frustrada, mal resolvida, e, possivelmente gorda. Um homem resolveria o caso, ou talvez um psiquiatra. Os posicionamentos femininos mais corajosos e contundentes são avaliados assim.

Em cada época e lugar, a educação e o trato ao gênero feminino seguem regras específicas. São mutantes, e podem dar saltos para lá e para cá. O certo e o errado podem se inverter num dado espaço de tempo. Numa mesma cidade as classes sociais podem se comportar de maneiras distintas, então, nada de datações.

Meninas são meigas, suaves, femininas, cheirosas, sentam-se com as pernas fechadas, não emitem gases, não cospem, não cutucam o nariz, não comem na rua, não gritam, não correm, não esbarram, não caem, não devem ralar os joelhos nem arrumar cicatrizes. Precisam brincar como meninas, sem gestos grosseiros, brigas, nem lutas. Fala baixo! Coma com a boca fechada! Não seja bruta! Menina não fala palavrão. Bato na sua boca se você repetir isso. Desastrada, parece um trator de esteira. Seja mais delicada!
Nem fala ainda e entregam-lhe um boneco de plástico, obrigando-a a fingir que aquilo é um neném. Precisa treinar diariamente, para suportar o cargo de mãe que terá de exercer. O projeto de vida consiste em arranjar marido, casar-se virgem, ter um lar, cuidar da casa, ter filhos, dar o peito, limpar, conduzir o fogão, lavar e passar, eternamente. Vaidade, apenas estar limpa! Liberdade, autonomia, personalidade, pensamento independente, liberdade de escolha? Seu marido fará tudo por você. Ganhar dinheiro? Não precisa, já tem o suficiente. Banco, negócios, comprar carro, adquirir imóvel, enfrentar mecânicos, seguros, aplicações financeiras?  Esta lista será um mistério intransponível. Não ocupe sua mente delicada com números. É preciso estar fresca para receber seu marido com um sorriso e o jantar pronto.

É obrigação da mulher aceitar seu marido, ainda que ele tenha estado com outra. A mulher honesta não se insinua. Manifestar prazer no sexo é inaceitável. A relação sexual tem a função de procriação, e a cada ano nasce outra criança.

Algumas mulheres são freiras, outras se tornam professoras ou enfermeiras. Então, enfrentando preconceito em diversas escalas e tons, por vezes debaixo de pancadas e lutas variadas, vão se inserindo nos diversos setores. Porém desconsideradas, não levadas a sério. Estão brincando de trabalhar, mas o movimento é irreversível.

O comportamento das mulheres interfere na discriminação ou não do seu gênero, pois elas criam seus filhos homens, e podem ensinar-lhes preconceito, de acordo como foram criadas. Algumas nivelam as outras mulheres pelas suas próprias incapacidades. “Sou incapaz, ela também será”. Está na Constituição que homens e mulheres têm deveres e direitos iguais, mas persiste a discriminação. Não é preconceito, é paranóia!?

Altos salários, cargos de chefia, médica cirurgiã ganhar o mesmo que o cirurgião são miragens. O valor da mulher é o mesmo do homem, porém o preço e a inteligência da mulher são rebaixados. Um chefe que manifeste algum grau de incompetência, não será ofendido em sua honra, analisado pela sua aparência, proeminência do seu abdômen, cor do seu cabelo, sua idade, atividade sexual ou capacidade intelectual. Mas a mulher, na mesma situação, terá sua sexualidade colocada em cheque, levianamente a acusarão de ser amante da sua auxiliar, será chamada de botijão, se estiver gorda, de autista, se possuir dificuldade de comunicação, de velha, ainda que jovem, e mal-amada, mesmo que discreta e de vida pessoal desconhecida. A um Presidente da República nada disso seria considerado diante de erros administrativos. Com Dilma Rousseff sim. Sexismo com ódio.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. Ideário político à parte - sua opinião nesse particular ficou implícita no texto - concordo com tudo.

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