Saudade congênita
* Por
Evelyne Furtado
No consultório médico
Livy aguardava o diagnóstico. Só podia ser algo muito grave. Não conhecia
ninguém com aqueles sintomas. Tentara tudo antes de chegar àquele especialista
e havia cumprido todas as recomendações. A princípio sentia-se melhor, mas a
qualquer momento voltava a sentir o aperto no peito, a falta de ar e as dores
que se espalhavam por todo seu corpo, até que ela começava a chorar. O choro
vinha aos poucos. Duas lágrimas mornas escorriam nos cantos dos olhos escuros,
pouco depois, o choro, ia num crescendo que logo Livy estava a soluçar. Às
vezes o pranto era tão sentido e prolongado que parecia se eternizar. Claro que
as lágrimas, na maioria das vezes, a aliviavam, mas em outras não lhe traziam
esse conforto.
Enfim, o médico a
olhava de frente e Livy reunia forças para escutá-lo: “Livy, você tem uma
doença congênita". Até aí nada de novo, pois sua mãe dizia que ela era
chorona quando bebê. Livy indaga se o mal é grave? O médico diz que não mata,
mas faz sofrer. Complementa que a cura é difícil. Livy pergunta qual o nome de
sua doença. Ele a olha com ternura e diz; “Tens um pequeno problema no coração.
Trata-se de saudade congênita. Nasceste com um gene que a torna saudosa dos
momentos de amor e ternura, sempre que aquele que a faz feliz afasta-se de ti,
teu coração reduz o ritmo dos batimentos e reages como se lhe tirassem um pouco
de vida”. Livy assimilou o diagnóstico e quis saber o prognóstico. “Livy,
precisas aprender a conviver com isso. É um aprendizado difícil, mas
conseguirás". “E se eu evitar o amor, Doutor?", quis saber Livy.
“Não recomendo. Você é
uma mulher amável e tem lá seus momentos de felicidade. Ao fechar-te,
tornar-te-ás amarga". E continuou; “Viva seus amores e abra-se para a
alegria. Isso ajudará a viver melhor”. Livy agradece ao médico e sai do
consultório, disposta a buscar alegria, pois não deixará de amar. Conviverá com
a "saudade congênita" até que ela não a maltrate mais tanto assim.
*
Poetisa e cronista de Natal/RN.
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