Princesa II
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Dona Lydia Scheffler dos Santos)
Penso tanto, hoje, na
minha Princesa, aquela que vi a última vez faz dois anos, no dia do aniversário
dela, lá naquele Hospital Misericórdia que parecia uma antessala de um paraíso
daqueles que a gente imagina cheio de anjinhos de camisolinhas de seda
bordada... Ela era toda serenidade e ternura, lá, com seus cabelos tão finos e
brilhantes quanto fios de cristal, e as mãos transparentes de tanta fineza,
como são as mãos das princesas... Fiquei a acariciar aquelas mãos, os cabelos,
o rosto tão bonito, a falar coisas com ela que só nós duas entendíamos, pois
tinham sido tão grandes as afinidades que nos tinham unido na alegria e na
dor...
Mês e meio depois e eu
estava em Buenos Aires, e enquanto dormia um soninho, à tarde, sonhei com ela.
Algo passara, me dizia o sonho, e acordei angustiada, incerta – tanta lonjura e
eu a sonhar com a minha princesa – o que seria? Foi levantar e espiar a
internet – ela partira. E eu estava tão
longe, tão longe...
Foi um verão de calor
muito intenso. Esperei que amainasse – penso que já era março quando fui pela
primeira vez ao seu túmulo, para aquele momento de despedida. Minha princesa me
esperava, estava ali para uma conversa séria. Eu podia sentir como ela segurava
com firmeza as minhas mãos nas suas mãos que se tinham tornado de luz, enquanto
me dizia que eu me tornava responsável pela sua descendência. Era uma coisa
forte, difícil, pesada para se carregar através da vida, mas ela era taxativa.
Até hoje estou pensando na profundidade do que me disse – não sei como cumprir
com o que espera de mim, mas fico de peito aberto para a sua determinação.
Princesa querida, que
foi mãe tantas vezes, que foi avó de tantas meninas e meninos, que foi bisavó
de tantos mais que vieram, que tem uma descendência inteira, ainda, a
nascer... Não sei como poderei de alguma
forma cumprir o que me disse, mas senti tanta honra que o dissesse... Em algum
momento o tempo e a vida me ensinarão o que deverá ser feito.
Hoje passei naquela
Vila Itoupava onde a vi pela última vez faz dois anos, e estou a relembrar
tanto! Sei, sinto, pressinto, estou ciente que o seu Príncipe Consorte também
quer falar comigo. De uma certa forma, tenho me esgueirado um pouco, me
desviado um pouco dessa conversa que ele quer ter... sequer sei como chamá-lo.
Tudo o que sei sobre ele foi de ouvir contar, e o que mais me lembro dele é
daquele ríctus de amargura que tinha no canto da boca quando o castelo de ambos
desmoronou e eu ia olhá-lo com tanta, muita timidez, lá nos contrafortes
daqueles muros derrubados... A pena, então, me cortava o coração, se é que se
pode cortar algo que já está estraçalhado... Tenho que atendê-lo em algum
momento, no entanto. Há algo que ele quer me dizer, penso que sabes o que seja.
Noutro dia escrevi sobre ele e chamei-o de “Filho do seu Thomé” – não sei se
alguém se deu conta de que era dele que eu falava.
Ajude-me a achar um
nome adequado para falar com ele, minha Princesa, pois ele me chama para alguma
coisa.
Vou esperar. Sei que a
tua sabedoria resolverá isto. Para mim, és a personificação da ternura e do
amor, e tais coisas tudo podem...
Como te quero tanto,
minha princesa tão amada!
Joinville, 13 de
Novembro de 2015.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Tem uns amores que acontecem assim, por tantos motivos e por nenhum.
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