segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Papo furado

* Por Daniel Santos

Havia sofrimento, sim. Pior: talvez por falta de talento, havia também volúpia do sofrimento, a angústia como estilo. Isso lhe dava uma identidade, embora pífia, mas não o qualificava como poeta, de fato.

Impossível suportar aquela consciência de se saber insuficiente, mas de certa forma valorizado pelas primas, que lhe pediam escrevesse dedicatórias nos livros dados de presente aos amigos aniversariantes.

Quem sabe, por isso, sofisticou-se, deu-se importância – uma importância que poderia ser maior, bem maior mesmo, não absorvesse com tanta intensidade os problemas sociais que lhe comprometiam a criação.

Daí para a ideologia, um passo. Logo, levantava bandeiras e chegou a organizar reuniões para constituir um sindicato dos poetas, mas, por falta de entusiasmo, amargou mais frustrações e desencanto com a classe.

Imobilizou-se, enfim, incompreendido no seu esforço de vanguarda. Às vezes, no boteco, conta seus fracassos e há quem se apiede dele. Sente-se, então, confortável como em casa. E pede mais um trago.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


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