domingo, 17 de janeiro de 2016

Há que se eliminar o caldo de cultura

  

O terrorismo é um dos fenômenos mais antigos e que mais se repetem ao longo da História, mesmo que nem sempre com esse rótulo. O nome que lhe era, ou que lhe é dado – niilismo, ou anarquismo, por exemplo – pouco importa. O tema é recorrente na Literatura, quer de ficção, quer de não-ficção e não é de se estranhar que seja assim. Aliás, seria estranho se não fosse, já que a matéria-prima do escritor é a vida e as circunstâncias que a envolvem. E o terrorismo sempre foi e continua sendo uma delas. São inúmeros, por exemplo, os romances campeões de venda que tratam especificamente do assunto, de suas várias causas e, sobretudo, de suas perversas consequências. São tantos, que dispensam citações. Os grandes caldos de cultura que propiciam o nascimento, a conservação e a reprodução do “vírus” desse tipo de violência são basicamente dois (embora haja outros tantos que, estatisticamente, não sejam tão relevantes). O primeiro, é a miséria (causada por milenares injustiças sociais) e o desespero que ela provoca em pessoas que não vêem formas de se livrar dela.

A segunda (e me parece a principal) é o fanatismo. E não somente o religioso (a que mais terroristas gerou em toda a história e que segue gerando), mas também o ideológico, o político e até o esportivo. O quê, estranharam a inclusão desse último item? Não deveriam. Afinal, o que são os membros das torcidas organizadas dos vários clubes mundo afora – hooligans, barra-bravas etc.etc. etc. – se não notórios terroristas que integram grupos destinados a gerar “terror” (daí o nome dessa prática violenta), mediante ações violentas, muitas vezes letais, para impor determinada (e distorcida) idéia, no caso a esportiva? É assim que esses grupelhos fanáticos têm que ser encarados pelas autoridades (embora, “ainda”, não o sejam): como terroristas que são.     

O argentino, Dante Caputo, fez, em 18 de fevereiro de 1989, em Genebra, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, na época em que era chanceler de seu país, brilhante discurso, cujo texto fiz questão de conservar em meus arquivos, abordando um tema bastante surrado, evitado por muitos, mas sempre oportuno de se tratar. Falou sobre a miséria e os riscos que ela produz para a paz mundial e para o entendimento entre os povos. Na oportunidade, chegou a usar uma alegoria até bastante original. Disse que ninguém pode viajar em segurança, na primeira classe de um transatlântico de luxo, quando em seus porões há uma bomba de tempo, prestes a explodir. Para Caputo, este artefato mortal vem a ser a miséria do Terceiro Mundo.

Mais da metade da humanidade não sabia, por exemplo, há quase 30 anos, o que era liberdade. Essa cifra talvez já chegue a dois terços ou mais atualmente. Quase o mesmo tanto vegeta, sem nenhuma perspectiva de futuro, nem para si e muito menos para os filhos, no mais completo “Deus dará”. Esse estado de coisas, obviamente, é um caldo de cultura ideal para o surgimento, conservação e multiplicação  do terrorismo. E engendra, de fato, vários grupos de pessoas que nada têm a perder e que estão dispostas a sacrificar (e de fato sacrificam) tudo, a própria vida, numa causa que entendem possa modificar a situação de seus descendentes. Óbvio que estão enganados. Mas...

Embora seja verdade que muitas vezes as lideranças do terror emergem das universidades, são os milhões de deserdados da sorte, de indivíduos que não têm onde morar e, não raro, nem o que comer, e que são empurrados de um acampamento de refugiados para outro que formam os vários grupos. São esses desesperados que servem de massa de manobra para líderes messiânicos, para oportunistas sem caráter e nem piedade que acham que para chegar ao “céu” precisam, antes, estabelecer o “inferno” na Terra. Os governantes de todo o mundo, mormente dos países mais poderosos, mostram crescente preocupação com esses atos niilistas, sem qualquer caráter construtivo, a forma mais irracional e insensata de protesto de que determinados indivíduos lançam mão para exigir mudanças nas respectivas sociedades nacionais. Destaque-se que exigem, quase sempre (salvo uma ou outra exceção) o que é certo, porém por vias tortuosas. erradas, posto que criminosas.

O terrorismo é rara arma de ação política dos desesperados e, de acordo com estudo divulgado há já três décadas, feito por psicólogos e sociólogos, apresenta duas grandes vertentes. A primeira é a dos anarquistas, que se opõem a qualquer tipo de sociedade organizada e desejam destruir as estruturas sociais existentes. Citaria, basicamente, os talibãs, a Al Qaeda e o Estado Islâmico, que juntam a isso tudo o explosivo componente do fanatismo religioso. Esses opositores de Estados e governos tiveram grande atuação no passado, notadamente da parte dos niilistas espanhóis e de seus congêneres russos do período czarista. O assassinato do czar Alexandre II, em 1º de março de 1881, cometido por Ignaty Grinevitsky que, portando uma bomba, cometeu atentado-suicida, segurando o artefato explosivo nas mãos, para que não explodisse em lugar errado, é um desses inúmeros exemplos.

Outro é o da morte do presidente norte-americano William McKinley, atingido, a bala, pelo terrorista Leon Czolgosz, em 6 de setembro de 1901 e que veio a falecer, em conseqüência dos ferimentos recebidos, oito dias depois. Como se vê, o terrorismo está longe de ser fenômeno recente. Podem ser classificadas, ainda, na categoria dos anarquistas as mortes de Mahatma Gandhi, na Índia, e do arquiduque da Áustria, Francisco Ferdinando, na Bósnia (atentado que foi o estopim da Primeira Guerra Mundial). Seus respectivos matadores, Nathuram Godse e Gavrilo Princip eram notórios niilistas.

Outra categoria dos terroristas é a dos que, alegadamente, lutam por uma pátria. Foram os casos, até passado recente, de grupos como a OLP, o IRA, o ETA e outros menos conhecidos. Estes, geralmente, atacam, (ou atacavam) apenas objetivos dos países que desejam atingir diretamente, embora, não raro, atinjam, também, pessoas inocentes, que nada têm a ver com política. Caputo ressaltou, no  discurso que mencionei, com muita propriedade, que é impossível esperar paz duradoura e estável enquanto esta “bomba” de tempo estiver montada para explodir a qualquer instante. Eu acrescentaria que não pode ser pacífico um mundo onde 900 milhões de pessoas não sabem ler e nem escrever. Onde um bilhão de seres humanos residem em taperas e cem milhões nem isso têm para lhes cobrir a cabeça. Onde morrem 40 crianças por minuto, por falta de comida, quando há tanto desperdício. Onde quase três bilhões de indivíduos não são livres para pensar, trabalhar e decidir seus destinos.

Miséria, portanto, não deveria ser assunto somente de intelectuais, mas de todos os que acreditam que este mundo ainda tem salvação. A impunidade e a vista grossa aos atos criminosos alimentaram de sangue as feras. Permitiram que os monstros ficassem ainda mais perigosos e letais e desenvolvessem diversas cabeças, como a mitológica Hidra de Lerna. E determinaram, por conseqüência, que as monstruosas criaturas se voltassem, finalmente, contra os protetores. Sabe-se, por exemplo, que a Al Qaeda e seu líder, Osama Bin Laden, foram armados e financiados pelos Estados Unidos para se oporem aos soviéticos, quando estes invadiram o Afeganistão. Deu no que deu... Resultou, entre outras coisas, no atentado às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, que resultou em quase três mil mortes e na catastrófica destruição daquele conjunto.   

Óbvio que um tema tão complexo, como esse, não se esgota em poucas palavras, como são estas descompromissadas reflexões. Não fosse assim, a Literatura sobre terrorismo não teria tanta fartura de livros e nem faria o sucesso que faz junto aos leitores. Por que? Porque passados séculos de história, permanece vivíssimo e atual. Pena que as soluções tentadas pelas potências mundiais até aqui sejam equivocadas, ridículas, pífias e medíocres e que esta nefasta prática, em vez de ser eliminada, ou pelo menos contida, expande-se mais e mais, podendo atingir eu, você, seu vizinho, seus amigos, sua cidade, seu país ou a humanidade, quem sabe. Atacam-se as “consequências” e não as “causas”. Porem, esse nefasto vírus só será eliminado com a eliminação do caldo de cultura que o engendra, que lhe assegura a sobrevivência e, pior, que possibilita sua vertiginosa e imprevisível multiplicação. E isso está anos-luz distante de acontecer.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Ainda que rápidas pinceladas, suas palavras mexeram fundo e, pelo menos a mim,foram o convite a pensar. Faltou citar o Boko Haram, que incendeia a Nigéria.

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