Transformada
em virgem
* Por Pedro J. Bondaczuk
As mesmas palavras que utilizamos para expressar beleza,
grandeza e transcendência, entre outras coisas, podem (e são) utilizadas por
alguns para manifestar ódio, disseminar preconceitos, caluniar e vilipendiar os
outros e para exprimir toda a sorte de desvios morais, vícios e aberrações. O
que varia é a sua “combinação”.
Esse instrumento de comunicação, portanto, pode tanto
construir, quanto destruir. Depende de quem e de como o utiliza. Não é a
linguagem, pois, que dissemina e consolida valores. Ela é apenas um
instrumento, uma ferramenta, um meio de expressão do que se sabe, se quer e se
pensa. Seu uso, portanto, requer extremo cuidado, além de rigorosa perícia no
manejo.
As mesmas palavras, por exemplo, a que o poeta recorre para
exaltar o amor e louvar as virtudes da amada, podem (e são) usadas por
determinadas pessoas para aviltar a mulher, em textos nos quais nada se
aproveita, por se tratarem da mais escrachada, idiota, horrenda e vil
pornografia.
A linguagem do sacerdote – que exalta valores eternos,
consagrados pelo tempo, e a grandeza, transcendência e justiça divinas – é
utilizada, também, por pessoas com o coração cheio de ódio, rancor e vilania. E
estes valem-se delas para fazer a apologia da força, exaltar a cobiça, atiçar a
ira popular, expressar inveja e dar vazão, não apenas aos sete pecados
capitais, mas ao que há de pior na natureza humana.
São os propagandistas, por excelência, da discórdia, das
guerras, dos preconceitos de raça, gênero ou de qualquer outra espécie e,
sobretudo, da violência, que nada constrói, mas somente demole o que pessoas de
real valor constroem. A história está repleta desses indivíduos nocivos e
predadores. A sociedade é ameaçada, a cada momento, por essas aberrações
humanas.
Quando exalto, portanto, o poder da palavra e a importância
desse instrumento de comunicação,
refiro-me, na verdade, aos que a utilizam com responsabilidade e grandeza, e
não a elas em si. Elas são meros instrumentos que dependem de quem as maneja.
Não há quem desconheça, por exemplo, a utilidade de um martelo. Trata-se de
ferramenta utilíssima quando usada para a finalidade para a qual foi feita.
Todavia, nas mãos de um homicida...
transforma-se numa arma letal.
O mesmo se poderia dizer em relação à faca, ao machado, à
motossera e a tantos outros objetos usados no dia a dia e até ao carro.
Intrinsecamente, são úteis, bons e em alguns casos, indispensáveis. Isso,
porém, somente se estiverem nas mãos de quem os maneje com competência e,
sobretudo, responsabilidade.
Compete a nós, escritores, nos aperfeiçoarmos no manejo das
palavras, de sorte que sejam sempre claras, precisas, diretas, sem
ambigüidades, ou seja, sem margens a duplas interpretações. Mas, ao mesmo
tempo, e isso é muito mais importante, temos que nos preocupar, sem tréguas e
nem descanso, com o que, como e a quem expressar.
Podemos, por exemplo, salvar vidas apenas dizendo (ou
escrevendo) o que seja oportuno e verdadeiro em momentos adequados. Mas,
principalmente no que se refere a textos, devemos estar permanentemente atentos
sobre o conteúdo, ou seja, ao que vamos escrever. Nunca sabemos em quais mãos
nosso texto irá cair e, portanto, desconhecemos os efeitos do teor daquilo que
escrevemos sobre o fortuito e eventual leitor.
Claro que nossas palavras jamais agradarão a todos. Por mais
claras, diretas e precisas que forem, sempre estarão sujeitas a interpretações.
É o risco que todo o escritor corre e do qual precisa estar consciente. É bem
como o povão diz, reportando-se, posto que inconscientemente, à “Ilíada” de
Homero: “Ninguém consegue agradar a gregos e troianos”. Portanto, se é consenso
o que você está esperando, esqueça.
Todavia, seu parâmetro de qualidade tem que ser, sempre, sua
consciência. Se você tiver absoluta certeza de que se expressou com
sinceridade, verdade e, sobretudo, responsabilidade, não se preocupe com as
críticas dos néscios, que certamente virão (e em profusão). Muitas vezes, o
elogio dos maus tem, na verdade, o cunho de “ofensa”.
Quando escrever, faça como Karl Kraus afirmou que faz, nesta
declaração que parece agressiva, mas que exprime com precisão a atitude dos
escritores verdadeiramente responsáveis: “A minha linguagem é como uma
prostituta qualquer que eu transformo em virgem”. Dê, igualmente, caráter
virginal a essa sórdida rameira que a todos se dá.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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