quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A fome do dragão

* Por Ângelo Monteiro


Absurda e veludosa
essa fome que o dragão
vem sofrendo pelas rosas:
bem mais mansa que a de pão.

Ainda que assim tão leve
como feita de veludo:
não é por isso mais breve
nem menos fome contudo.

É triste ver o dragão
com tal fome sem remédio:
sobre pilastras de tédio
forjadas de solidão.

É triste o desejo ver
tão belo mas represado:
de quem foi assinalado
de dragão para morrer.

E há fome mais exigente
do que essa fome inventada
pela crueldade inocente
do sonho da coisa amada?

Mas se não temeis dragões
nem vivos, nem fantasmais:
acautelai-vos, irmãos,
das fomes mansas demais.

LIVRO: Proclamação do Verde


* Poeta, ensaísta, cronista e filósofo.

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