quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sem viajar ninguém é feliz

* Por Mara Narciso


Poucos verbos encontram maior apreciação em ser conjugado quanto viajar. Especialmente na primeira pessoa. Há os que têm pavor em sair de casa, largar a segurança do lar, a previsibilidade da cama, travesseiro e banheiro. Viajar é bom, mas encontrar a própria cama (ou sanitário) também dá prazer, dizem.

Ganhar na loteria para fazer o quê? Ter mais dinheiro para ir aonde? Aposentar para descansar? Definitivamente, não! Melhor é ser livre para sair por aí, caminhar para longe. Ter independência e autonomia para não precisar voltar. Mas voltar. Eu quero ir para muito além de onde a minha vista alcança. O ser humano povoou os cinco continentes por necessidade e também devido à curiosidade e mania de migrar, mantendo acesa a inquietude cigana. Exceto os acomodados, boa parte quer mesmo é circular. Chega hoje para partir amanhã. Alguns mantêm uma bagagem pronta para cada destino. Humanos precisam andar para espalhar costumes e sementes mundo afora. E caso fiquem parados, sentem pesarem-lhes os pés.

“O tempo passou na janela e só Carolina não viu” (Chico Buarque), porque quem não viaja perde tempo. Ser viajado dá status. Conhecer meio mundo ou o mundo inteiro é ter experiência, cultura, mente aberta e conhecimento da real dimensão do planeta azul. Mesmo com os recursos do cinema, televisão, internet, câmeras de simulação e outros métodos de imersão para simular viagens, sair por aí ainda é o melhor jeito de ser feliz.

“Liberdade é uma calça velha azul e desbotada”, dizia o criticado comercial de calças US TOP (1976), numa época de repressão política, quando os engajados queriam liberdade para eleger o presidente da república. Com democracia, liberdade é ter o mundo inteiro para percorrer por terra, água e ar. Viajar é ter como horizonte a circunferência da Terra, é ampliar a visão para além das montanhas, é arriscar-se em qualquer paisagem. Quem não viaja, vive em vão. “A gente não quer só comida, a gente quer amor, diversão e arte” (Titãs), e viajar é sim, boa parte da diversão. Talvez a melhor parte.

Não há dinheiro, companhia, nem possibilidade de viajar? Crie as oportunidades, e vá, não se esquecendo de levar disposição para encontrar alegria. A viagem de hoje é uma, a de amanhã será outra, então não perca a chance. Todos os caminhos podem levar a Roma, mas o que eu amo mesmo é o mar, aquele oceano grandão, bem longe, molhado e salgado, com o hábito de formar ondas que se desmancham numa gostosa rebentação. O vício do mar oceano é a maré, aquela obsessão em se encher e se esvaziar ao sabor da gravidade lunar. A emoção de enxergá-lo em qualquer circunstância me comove, vê-lo me faz chorar. Essa paixão antiga vem desde os oito anos quando o vi pela primeira vez. Foi no Rio de Janeiro e chovia.

Sim, os mineiros são vidrados no mar. Já fiquei sete anos sem vê-lo, e isso me doeu como saudade de gente. Para quem vive em frente ao mar, não vê mágica ou poesia. Como a imagem está ali disponível, acostuma-se e a presença funciona como o cônjuge num casamento antigo. Simplesmente está lá, mas quando distante, a falta do barulho, do cheiro e do gosto atrapalha dormir.

É urgente seguir viagem, antes que seja tarde, especialmente para ver aquelas atrações que são alcançadas a pé. Viajar é enfrentar emoções autênticas de desbravamento, descobertas, visões e perigos. É correr um risco calculado, seja no transporte, seja na estadia. O novo ronda os instantes, mesmo num local conhecido. O inesperado apimenta a viagem, até a programada, porque gente gosta de novidade e emoções.

O desconhecido torna certos lugares indecifráveis, por bonitos e estranhos, ou por feios e familiares. Também podem ser estimulantes e simbolicamente desejáveis. Vou seguindo rápido e, curiosa, agradeço por estar vendo e andando, e assim, podendo continuar a viagem. Porque viajar é uma sequência de aberturas na mente, olhos, portas e janelas, indo pelas estradas terrestres, aquáticas e aéreas, culminando na emoção e abertura do riso e do coração.

“Oi leva eu, eu também quero ir”. Quem me leva?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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