sexta-feira, 8 de maio de 2015

Reféns no meio do mato


* Por Mara Narciso


Tenho 50 anos e trabalho num salão de beleza. Há alguns dias, após o casamento de um primo, noutra cidade, estávamos voltando para casa. Duas horas da manhã, no ônibus fretado, quase toda a minha família, quarenta pessoas entre adultos e crianças, estava dormindo. Era noite quente, sem lua e o ronco de alguns ressoava dentro do coletivo. Ao meu lado, o meu marido, atrás de nós a minha mãe com minha irmã e depois meus dois filhos. Chegávamos às imediações de Pirapora, a caminho de Montes Claros.

Tudo normal, motorista atento à estrada, eu observava, pois não conseguia dormir. Então, um estampido ecoou dentro do ônibus, e um projétil atravessou seu interior, passando por sobre nossas cabeças. Acordaram sobressaltados, enquanto o motorista atendeu as ordens de um comando do lado de fora, e parou o veículo. Na sequência, dos seis homens armados, dentro de uma camionete, que tinha atravessado o nosso caminho, quatro deles subiram, sendo que dois deles, rapidamente, foram ao fundo e dois ficaram na frente do corredor. Um bandido encostou o revólver na nuca do motorista e gritou para que ele entrasse na estrada de terra, seguidos pelo carro deles. Adiante, no meio da escuridão e do nada, mandou parar. Enlouquecidos, esperávamos, debaixo da mira dos revólveres.

O ônibus teve seu porta-malas invadido pelo restante da quadrilha, cujo chefe berrava para que ninguém reagisse, senão seria pior. Eram jovens, tinham cara de profissionais e não demonstravam nervosismo excessivo. Provavelmente, não estavam sob efeito de drogas, pois estavam coerentes e seguros. Continuaram passando de poltrona em poltrona, com armas agressivamente apontadas para nós, controlando pela frente e por trás. Pensavam tratar-se de sacoleiros vindos do Paraguai. Quando souberam que não éramos, não desistiram do assalto. Pegaram algumas malas fechadas. Outras foram abertas ali mesmo no meio da poeira, e cataram o que acharam que era bom, como perfumes, roupas, sapatos (em geral viajamos com nossas melhores roupas e para o casamento levamos tudo novo), jóia, secador de cabelos, dinheiro.

Dentro do veículo, a tensão era máxima. Ameaçavam dar coronhadas em quem bancasse o engraçadinho. Crianças choravam, todos tremiam de pavor, e por desespero batiam queixo. O chefe gritava por silêncio. E o arrastão seguia passo a passo, mandando a pessoa se levantar, ir ao meio do corredor, e então o assaltante a apalpava procurando por celular, dinheiro e arrancava jóia. Alguns tinham, mas a maioria estava, com nenhum ou pouco dinheiro. Na minha família menor, exceto minha mãe, todos tinham celular novo, e ficamos sem quatro deles. Comprei sapatos novos, todos foram retirados das malas e jogados na caçamba do carro.

Brincos, pulseiras e anéis foram pegos com grosseria, e de preferência entregues de forma ágil, para não levar pancada. Ameaçaram que se alguém escondesse qualquer coisa, iria morrer. Aconteceu o ponto extremo do nosso medo, quando a minha cunhada não conseguiu retirar a aliança de casamento no seu dedo anular há mais de 25 anos. Ela engordou, e, chorando, informou que já tinha tentado, noutra ocasião, inclusive sabão e até óleo e nada fazia a aliança sair. O bandido berrou: “você tem dez dedos, caso a aliança não saia, eu arranco seu dedo a faca e você ficará com nove”. E mostrou a arma. Houve quem chorasse e pedisse por clemência. Foi quando uma das crianças vomitou. Mas quem estava na mira da faca, quase fora de si, conseguiu, como num milagre, retirar a argola e a entregou ao assaltante, num último instante, mas, coitada, sujou as calças.

Satisfeitos, os bandidos pularam no carro e desapareceram. Houve quem voltasse para casa só de chinelos, bermuda e camiseta. Pegamos as coisas restantes, abandonadas no meio da escuridão, e as jogamos nas malas arruinadas, tudo misturado. Ajuntamos o que sobrou (para separar mais tarde), fizemos o Boletim de Ocorrência na cidade mais próxima, mentalizamos o prejuízo e voltamos para a estrada. Não houve surras, nem humilhações maiores. Não ameaçaram pegar as mulheres, e ninguém ficou ferido. A vontade era fugir do pesadelo. Aliviados, respiramos fundo. A família estava inteira. Pelo menos fisicamente. Psicologicamente juntaremos forças para superar. E para quebrar a tensão, eu ri, silenciosamente, me lembrando do que se dizia de Napoleão Bonaparte, durante uma das suas inúmeras batalhas: ‘Soldados, sangue fede? Acho que estou ferido’!”

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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