Só
se for burra!
* Por Celamar
Maione
Geraldo estava com 48 anos. Filho
único, morava com os pais e trabalhava num cartório. Solteirão convicto, não tinha namorada. A
família e os amigos cobravam um relacionamento sério:
- Geraldo, quando é que você casa? Já está com
48 anos, bem-sucedido. Não quer uma companheira para esquentar seu travesseiro?
Geraldo argumentava:
- Deus me livre! Arrumar mulher para me
tirar do sério? Discutir relação? As mulheres de hoje são inteligentes,
independentes e adoram um confronto. Não tenho paciência para discussões
filosóficas com o sexo oposto. Esse mundo globalizado estragou nossas
mulheres!! Já não existe mulher delicada e calada como antigamente. Bando de
homens de saias!
As esposas dos amigos chamavam Geraldo de machista. Havia a turma que apostava que ele era gay enrustido. Geraldo não se aborrecia. A única coisa que não tolerava era mulher com ar de inteligente, metida a falar difícil. A última namorada gostava de conversar sobre política e futebol. Geraldo enjoava. Acreditava que o namoro perdia o glamour. “Qual a graça de transar com mulher que gosta de futebol? Bebe cerveja? E faz comício em praça pública?”, pensava.
Em dois meses, o relacionamento se
desfazia. Mas a pressão da família era grande. Nas festas familiares, as tias
comentavam:
-Geraldo, você precisa casar. É filho
único. Quando vai dar neto aos seus pais?
Vai deixar sua mãe morrer sem segurar um bebezinho nos braços?
Geraldo se entediava. Logo abandonava a
reunião. Saía pela porta dos fundos. No churrasco, na casa dos amigos, a mesma
pressão. Sempre tinha uma encalhada que arrastava as asas para ele. Porém, era
só começar uma conversa, para qualquer interesse se dissipar. A encalhada,
querendo mostrar inteligência e sabedoria, logo falava de literatura, economia
ou violência. Queria impressionar. Mal sabia que Geraldo tinha urticária a papo
cabeça.
Na verdade, seu fetiche era uma mulher
submissa. Cachorrinho. Estilo bonita e burra.
Era exigente. Queria mulher para obedecer sem questionar. Sem reclamar. “Mas as mulheres de hoje estavam perdendo toda a feminilidade. Mais
pareciam homens! Com dois meses de namoro, tinham um discurso de igualdade na ponta da língua. Francamente!” –
Geraldo comentava.
Ao mesmo tempo, ele estava cansado da
insistência dos amigos, das tias, e do pessoal do trabalho. Ou ele conviveria
com uma mulher determinada ou seria obrigado a conviver com a gozação dos
conhecidos. Ora o chamavam de gay, ora de encalhado e ora de broxa. Um dia,
lendo o jornal, teve uma idéia. As cobranças acabariam. Colocou um anúncio nos
classificados pedindo uma esposa. As interessadas em casar com ele,
responderiam a um questionário.
Choveram cartas. Geraldo passava o final de semana lendo todas. Bastava uma resposta certa para ele descartar:
Choveram cartas. Geraldo passava o final de semana lendo todas. Bastava uma resposta certa para ele descartar:
- Não serve. Sabe que o nome do
Presidente dos Estados Unidos é George Walker Bush. Bem-informada. Gosta de
discutir a relação.
Geraldo leu cartas durante um mês. Foi
um processo seletivo minucioso. Finalmente, se encantou com a carta de uma
mulher de 25 anos. Morava no interior de Minas. As respostas estavam todas
erradas. Ficou fascinado ao ver a futura esposa responder que o poeta Victor
Hugo era lateral direito do Flamengo, vendido ao São Paulo. Amou quando ela
escreveu que Clarice Lispector era cantora
de axé-music.
Apaixonou-se por tamanha burrice e
desinformação da moça. Enfim, suspirou, encontrou a mulher para dividir o resto
dos seus dias. Imediatamente, ligou para Totinha. Era esse o nome dela. Marcaram
um encontro. Quatro meses depois, estavam casados. Os amigos nem acreditaram. A
família danou-se a pagar promessas. A mãe queria logo um neto. No dia do
casamento, os sobrinhos colocaram uma faixa na Igreja: “finalmente o tio
desencalhou”. Aleluia!
Geraldo se divertia com a burrice
ingênua da esposa. Nada de discussões filosóficas, feministas, jornal, livros, nada. Comprava todas as
revistas de fofoca para Totinha. Leitura preferida da esposa. Ela se deliciava,
depois do serviço doméstico, sentar no sofá, para folhear a revista e saber dos
próximos capítulos da novela. O mundo artístico fascinava Totinha.
Enquanto isso, Geraldo amava quando
domingo podia sentar em frente à TV para assistir ao futebol, bebendo uma cervejinha. A esposa,
desprovida de qualquer intelecto, ficava na cozinha fazendo bolo. Ela não
questionava. Reivindicações para sair final de semana, nem pensar. Queria estar
casada. Acatava todas as ordens do
marido. Na cama era um furacão.
Porém, a felicidade de Geraldo durou
pouco. Um dia, ao chegar em casa, ele encontrou uma carta da esposa. Era uma carta de despedida. Na
carta, Totinha contava que tinha um amor de infância deixado em Minas.
Os dois brigaram e terminaram o namoro. De pirraça,
ele casou com a melhor amiga dela. Agora, ele se separou e queria reatar o
romance interrompido. Totinha o perdoou e foi ao encontro dele. Queria realizar
seu sonho de menina. Além disso, sentia muitas saudades do ex-namorado.
Na carta, pediu desculpas ao marido. E
combinou de mandar um advogado para tratar da separação.
Foi uma decepção grande para Geraldo.
Como não gostava de homem e ficou com nojo de mulher, se tornou assexuado.
*Radialista e jornalista,
trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e
Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi.
Lecionou, recentemente, Telemarketing,
atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é
escrever, notadamente poesias e contos.
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